terça-feira, 14 de junho de 2011

Dilma cede, e governo vai apoiar sigilo eterno

Sob pressão de dois ex-presidentes, além do Itamaraty e das Forças Armadas, a presidente Dilma Rousseff recuou e deu carta branca para que a Lei de Acesso à Informação Pública seja aprovada pelo Congresso com a possibilidade de que documentos públicos fiquem em segredo por tempo indeterminado. Com a decisão, o Planalto contempla o relator da proposta na Comissão de Relações Exteriores do Senado, o ex-presidente Fernando Collor de Mello (PTB-AL), e, assim, cria condições para o texto ser sancionado nos próximos meses. O recuo provocou protestos de historiadores e também de parlamentares governistas e de oposição.

A decisão de Dilma foi revelada pela nova ministra de Relações Institucionais, Ideli Salvatti, antes mesmo de sua posse, o que causou mal-estar na cúpula do governo. Além de Ideli, outro ministro, ouvido pelo GLOBO, confirmou que o governo está disposto a manter trancafiada parte dos documentos históricos. O regime de urgência para análise da proposta será retirado, diz o líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR).

O texto em debate no Senado prevê o contrário: as informações ultrassecretas devem ficar guardadas por, no máximo, 50 anos, seguindo um artigo incorporado ao texto original do governo pela Câmara. Porém, Collor e o ex-presidente José Sarney - que hoje comanda o Senado - atuam abertamente para impedir que documentos sejam revelados, entre os quais textos produzidos em seus mandatos. De acordo com Sarney, trata-se de uma precaução para não reabrir feridas do passado:

- A abertura total, não. Documentos históricos, que fazem parte da nossa História diplomática, que tenham articulações, como a que Rio Branco teve de fazer muitas vezes, não podemos revelar. Senão, vamos abrir feridas - disse Sarney, negando que ele mesmo seja beneficiado pela mudança.

Relator do projeto na Câmara vê "retrocesso"

Dentro do governo, a Controladoria Geral da União (CGU) será derrotada, caso o sigilo eterno prevaleça. Já no Congresso, o relator do projeto na Câmara, deputado Mendes Ribeiro Filho (PMDB-RS), diz que é um retrocesso que acaba com o princípio da lei.

- Então, que lei é essa? Não há como compreender sigilo eterno em um mundo de transparência. Hoje, não existe nada que não esteja passível de ser descoberto - salientou o peemedebista.

Representantes da sociedade que participam da articulação pela aprovação da lei explicam que o lobby pelos arquivos secretos mira em disputas por fronteiras, como a travada na Guerra do Paraguai, e capítulos da ditadura militar, como a atuação do Itamaraty durante a Operação Condor, ação coordenada das ditaduras sul-americanas para perseguir seus opositores. O cientista político Ricardo Caldas, que desenvolve estudo na Universidade de Brasília (UnB) sobre transparência e corrupção, diz que a mudança é o elogio à cultura brasileira da falta de transparência.

- É um absurdo! Isso mata a lei. Agora, teremos um volume inacreditável de documentos que serão classificados como ultrassecretos para que fiquem guardados para sempre - acredita Caldas.

O presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS), o senador Aécio Neves (PSDB-MG) e o relator do projeto na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, Demóstenes Torres (DEM-GO), também se manifestaram contra o sigilo eterno.

- É um retrocesso, uma contradição em relação ao que o governo vem dizendo até aqui - comentou Aécio.

O coordenador do Fórum de Direito à Informação, Fernando Paulino, acredita que a polêmica pode fazer com que o governo volte atrás. Especialmente, pelo impacto econômico que esse texto teria sobre investimentos estrangeiros no Brasil.

- A Lei de Informação tem impacto sobre os investidores que miram no Brasil pensando na Copa e nas Olimpíadas, que querem saber o nível de transparência do país em que investem. Foi assim na África do Sul e será assim no Brasil. O segredo só aumenta a chance de especulação - destaca Paulino.

Fonte: Jornal O Globo.

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