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sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Padilha: diga NÃO à internação compulsória de usuários de crack

Por que isto é importante

A internação compulsória em massa tem sido apresentada como uma solução para os problemas decorrentes do consumo abusivo de crack. A opção por essa política não encontra amparo na literatura da saúde e é uma afronta aos direitos constitucionais. O Ministro da Saúde ainda não se posicionou claramente sobre isso.

Em seu discurso de posse, em janeiro de 2011, o Ministro Alexandre Padilha afirmou que o combate ao crack não poderia fazer com que as pessoas perdessem sua autonomia e o contato com o espaço social. Até agora, apesar de declarações de técnicos do Ministério da Saúde contra as políticas de internação compulsória, o ministro Padilha ainda não manifestou com suficiente clareza a sua posição em relação a este assunto.

Quando perguntado sobre internação compulsória, o Ministro tem respondido que a lei prevê a internação involuntária. A internação involuntária de usuários problemáticos de substâncias pode ser eventualmente necessária, mas é excepcional e decidida caso a caso, por equipes de saúde. A internação compulsória só pode ser definida pela Justiça, e, portanto, exige o exame individualizado e respeito aos trâmites do Poder Judiciário. Ela não pode, portanto, ser uma política de aplicação genérica ou, pior, ser feita em massa, sob determinação exclusiva do Poder Executivo.

O próprio Ministério da Saúde – por meio da Área Técnica de Saúde Mental – tem oferecido alternativas de financiamento para a implementação de ações em rede que levam em consideração os direitos e as complexas demandas de saúde dos cidadãos que fazem uso problemático de crack. Ao não se manifestar claramente contra a internação compulsória em massa, o ministro nos leva a supor que sofre pressões estranhas aos consensos técnicos e ao ordenamento jurídico que devem sustentar as decisões na área da saúde.

Em nome de seu compromisso com a Saúde e a Justiça, solicitamos ao Ministro da Saúde que sustente claramente sua posição histórica contra a internação compulsória como política pública, pois, caso contrário, sinalizará um perigoso apoio a práticas higienistas, obscuras, inefetivas, discriminatórias e, notadamente, ilegais.

Se você concorda que esse posicionamento é importante, ajude-nos a deixar isso claro para o Ministro, assinando e divulgando esta petição.

Instituições Apoiadoras

• Frente Nacional Drogas e Direitos Humanos (FNDDH)
• Conselho Federal de Psicologia (CFP)
• Associação Brasileira de Saúde Mental (ABRASME)
• Associação Brasileira de Estudos Sociais do Uso de Psicoativos (ABESUP)
• Associação Brasileira de Psicologia Social (ABRAPSO)
• Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (CEBES)
• International Center for Ethnobotanical Education, Research and Service (ICEERS)
• Conselho Regional de Psicologia - 6ª Região (SP)
• Frente Estadual Drogas e Direitos Humanos - RJ (FEDDH-RJ)
• Associação dos Terapeutas Ocupacionais do Estado do Rio de Janeiro (ATOERJ)
• Frente Estadual Antimanicomial de São Paulo
• Núcleos Sorocaba, Assis, Cuesta e Sobral da Associação Brasileira de Psicologia Social (ABRAPSO)
• Associação Amazonense do Campo de Atenção Psicossocial Chico Inácio (AM)
• Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre Psicoativos (NEIP)
• Coletivo Desentorpecendo a Razão (DAR) - SP
• Coletivo Princípio Ativo - RS
• Instituto Plantando Consciência
• Grupo Tortura Nunca Mais - RJ
• Movimento “Respeito é BOM e eu gosto!” - RJ
• Centro de Convivência ‘É de Lei’
• Centro de Estudos e Pesquisas Aníbal Silveira (CEPAS-SP)
• Centro Internacional de Estudos e Pesquisas sobre a Infância (CIESPI-RJ)
• Centro Regional de Referência em Educação na Atenção ao Usuário de Drogas de Sorocaba - SP
• CONCIES - Grupo Coletivo de Discussão e Trabalho em Saúde Mental - MS
• Coletivo (En)Cena (ULBRA/TO)
• Grupo Babel – Saúde Mental na Atenção Primária - RJ/SP/RS/CE
• Grupo de Pesquisa Ciência, Cuidado e Saúde (UFF-Volta Redonda-RJ)
• Grupo de Pesquisa de Saúde Coletiva e Saúde Mental: Interfaces (UNICAMP)
• Grupo de Pesquisa Política de Drogas e Direitos Humanos (FND/UFRJ)
• Grupo de Pesquisa Saúde Mental e Sociedade (UFSCar)
• Laboratório Interdisciplinar de Estudos sobre Cultura e Diversidade (UNICENTRO - PR)
• Laboratório de Pesquisas sobre Práticas de Integralidade em Saúde (LAPPIS - IMS/UERJ)
• NEPS - Núcleo de Estudos, Pesquisas e Extensão em Saúde Mental e Atenção Psicossocial (UERJ)
• Paralaxe: Grupo Interdisciplinar de Estudos, Pesquisas e Intervenções em Psicologia Social Crítica (UFC)
• Projeto Transversões – Projeto Integrado de Pesquisa e Extensão “Saúde mental, desinstitucionalização e abordagens psicossociais” (UFRJ)
Unidade Brasil da Rede Ibero-americana de Ecobioética / Cátedra UNESCO de Bioética.

Uma revoltada entrevista do Dr. Drauzio sobre a internação compulsória

Na Folha de São Paulo de 29 de janeiro de 2012 foi publicada uma breve entrevista do médico Drauzio Varella, concedida à Claudia Colucci. Nela, o Dr. Varella expressa o seu inconformismo com a mera discussão sobre a internação compulsória de dependentes de crack. E antes do que eu tenho a dizer sobre isso, é interessante ler a entrevista:


O Dr. Drauzio Varella é um grande divulgador de temas da Saúde no Brasil. Eu sou professor de Medicina e tenho utilizado seus textos para discussões sobre relação médico-paciente e outros temas ligados à Psicologia Médica. Sua percepção das relações humanas, sua prosa bem escrita e sua vasta experiência como clínico trazem diversos insights a serem compartilhados com estudantes de Medicina, em especial os livros ‘Por um Fio’ e ‘O Médico Doente’.

No assunto específico da dependência química e, em especial, sobre o tema das políticas públicas de saúde mental voltadas para usuários de crack em situação de rua, o Dr. Drauzio, vinha, até agora, manifestado sinais contraditórios. Depois de um texto de 2011 na Carta Capital, onde defendia a internação compulsória pedindo ‘menos hipocrisia’, ele publicou, em 2012, no seu portal na internet, uma série de vídeos que apresentam a entrevista feita por ele com o psiquiatra Dartiu Xavier da Silveira, do Programa de Orientação e Apoio ao Dependente (PROAD), na Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP, que é a principal voz da Psiquiatria Brasileira a se opor às propostas de internação compulsória de dependentes de crack. Tais propostas têm pululado em diversas cidades do Brasil: o Rio de Janeiro aparentemente desistiu, mas São Paulo e Salvador mantêm-se firmes neste intento. Na entrevista (em vídeo), o Dr. Varella se mostrava atento, cortês, e sem qualquer sinal da revolta que transpareceu agora, na entrevista concedida à Folha. Acima de tudo, em nenhum momento ele contrapôs o discurso de Dartiu a ideia de que ele pudesse estar sendo “ideológico” ou “hipócrita”.

Agora, depois de ter demonstrado apoio a iniciativas para descriminalização das drogas no Brasil, o Dr. Drauzio vem à carga em uma entrevista com palavras fortes que foram comemoradas e prontamente repercutidas em toda a blogosfera conservadora como evidência inequívoca de que a ‘vitória’ contra o crack só se dará com o tratamento forçado por meios judiciários.

Não nos cabe esticar a discussão sobre os tipos de internação psiquiátrica, mas me escapam à compreensão as razões pelas quais o Dr. Varella defende a ação judiciária da internação compulsória – criada para ser usada de forma excepcional – ao lugar do recurso sanitário da internação involuntária. Também não entendemos por que ele propõe a internação como a única alternativa à situação verdadeiramente degradante do morador de rua craqueiro, uma vez que há uma série de outras ações de saúde possíveis, que tornariam a internação – especialmente as de tipo não voluntário – um ato a ser usado somente nos casos graves, como diversos psiquiatras têm deixado claro na imprensa, e como preconiza a própria literatura psiquiátrica.

Só podemos entender que aqui há falta de conhecimento, admitida pelo médico dentro da própria entrevista. Sendo assim, optamos por escolher alguns pontos importantes para esclarecê-los diante do que temos estudado na literatura científica. Evidentemente, as informações são, por vezes, escassas, e certamente não há consensos absolutos, mas também não há qualquer justificativa na afirmativa de que a suposta solução seria a internação compulsória e que qualquer discussão sobre prós e contras esta medida fosse incabível.

Eis, então, os trechos escolhidos e os meus comentários:

Dr. Drauzio Varella: “Não conhecemos bem a eficácia ou a ineficácia porque as experiências com internações compulsórias são pequenas no mundo. Mesmo as de outros países não servem para nós. O Brasil tem uma realidade diferente.”

Há evidência internacional suficiente para que o Escritório sobre Drogas e Crime Organizado da ONU e a Organização Mundial da Saúde - OMS recomendem que o tratamento coercitivo (e aqui não se fala só de internação, mas de qualquer tipo, até o ambulatorial) seja a última opção a ser adotada, findas todas as outras. Os estudos internacionais disponíveis apontam para ausência de efeito positivo na internação compulsória, com riscos óbvios de abusos do ponto de vista ético. Quando há comparação entre tratamentos voluntários e não voluntários (que incluem o involuntário e a compulsório), a balança da evidência e da ética pesa a favor da internação voluntária. É relevante também lembrar que no Programa ‘Fantástico’ o Dr. Drauzio posicionou-se firmemente contra os fitoterápicos, por considerar que estes não tinham eficácia clínica suficiente. Curiosamente, no caso das drogas, as supostas idiossincrasias brasileiras permitiriam que fossem tomadas medidas de base empírica duvidosa.

Dr.D.V.: “Começam a falar que essa medida não respeita a dignidade humana. Que dignidade tem uma pessoa na sarjeta daquela maneira?
Está na hora de parar com essa discussão ridícula. Pode ser que internação compulsória não seja a solução ideal, mas é um caminho que temos que percorrer. Se houver exagero, é uma questão de corrigir.”

Bem, segundo, o Dr. Drauzio, pode ser que a internação compulsória “não seja a ideal”, mas ele tem a certeza de que esse é o caminho a ser percorrido. Gostaríamos de entender qual a fundamentação na qual ele sustenta a sua afirmação. Até onde pudemos perceber, ela não passa da revolta do senso-comum, que, ao perceber a urgência da situação – que é fruto de décadas de descaso – foge à razão e à melhor informação qualificada e defende que a opção a ser tomada é a pura retirada das pessoas, contra sua vontade, da rua. Há ainda outro ponto importante. Em hipótese alguma o contraponto da sarjeta é a internação compulsória, como já mencionei acima. A ela se colocam uma série de medidas que incluem os consultórios de rua, os serviços ambulatoriais, as casas de acolhimento transitório e os leitos de desintoxicação, em modalidades voluntárias e involuntárias. Independente de sua ‘escola’ original, todos os especialistas concordam que a dependência química é um fenômeno complexo, com um perfil bastante heterogêneo de pacientes. Por isso, medidas plurais são absolutamente necessárias, pois o que serve para um, pode não servir para outro. Generalizações, aqui, são um grande perigo.

Dr.D.V.: “É uma questão ideológica e não é hora para isso. Estamos numa epidemia, quanto mais tempo passa, mais gente morre.”

Talvez não seja possível perceber uma resposta tão ideológica nesta entrevista quanto essa, embora talvez o doutor não o tenha percebido. O nome desta doutrina – quase sempre involuntária, mas nunca compulsória – é Higienismo. Ele se fundamenta no conceito de epidemia – que no caso do crack nunca foi suficientemente comprovada nas grandes cidades brasileiras –, na lógica biomédica, na defesa do bem-estar público e em certas doses de caridade para ‘limpar’, de forma pragmática, as cidades dos que são por ela considerados indesejáveis. Por outro lado, se olharmos do ponto de vista científico, todas as partes deste trecho da entrevista carecem de evidência. Dados da UNIFESP mostram quantidades enormes de pessoas que estão na rua, fumando crack, há mais de 10 anos. O mesmo estudo indica que na grande maioria das vezes não é o crack, por sua ação no organismo, que mata: o que mata é tiro. E os tiros, no Brasil têm a curiosa tendência de acertar determinados extratos da população que, não coincidentemente, são os mesmos que usam mais o crack. Segundo os relatos da equipe do PROAD, a maioria dos ‘noias’ ou ‘cracudos’ em situação de rua começou a fumar a pedra por terem ido morar na rua, e não contrário. A população do centro de São Paulo vêm convivendo com esta suposta epidemia ha anos a fio, tornada recentemente mais visível justamente pelas ações da dupla Kassab/Alckmin, que espalharam os ‘noias’ da Luz por toda a cidade, dificultando terrivelmente o trabalho de abordagem de redução de danos que poderia ter sido feito se eles ainda estivessem concentrados.

Dr.D.V.: “Eu, se tivesse uma filha grávida, jogada na sarjeta, nem que fosse com camisa de força tiraria ela de lá.”

Claro, ninguém tem dúvidas de que medidas fortes têm que ser tomadas em casos desse tipo. Em alguns casos, pode ser mesmo que uma moça grávida tenha que ser internada involuntariamente – mas nunca com camisa de força. Talvez seja interessante o Dr. Drauzio saber que em meus poucos dezesseis anos de prática psiquiátrica, nunca vi uma camisa de força. O próprio uso do termo denota um certo anacronismo, pois este recurso foi substituído pela chamada de ‘contenção química’ – com tranquilizantes – há muito tempo. Outro ponto importante – fato que as equipes com experiência nesses casos sabe muito bem – é que mesmo quando uma abordagem mais firme é necessária, na maioria das vezes, se feita de forma adequada e com construção prévia de vínculos, ela não precisa ser nem involuntária, e muito menos compulsória.

Dr.D.V.: “– Como prevenir a gravidez na cracolândia?
– É a coisa mais fácil. Há anticoncepcionais injetáveis, dá a injeção e dura três meses.”

Aqui podemos compreender que o Dr. Varella está também propondo um tratamento involuntário com anticoncepcionais injetáveis para as mulheres em situação de rua. Se isto estiver correto, o que o Dr. Drauzio está sugerindo é muito grave e passível de processo segundo o Código de Ética Médica, por mais pragmático e eficiente que possa parecer. Reza o Código, só para citar um de seus artigos, o 22º, que é vedado ao médico “deixar de obter consentimento do paciente ou de seu representante legal após esclarecê-lo sobre o procedimento a ser realizado, salvo em caso de risco iminente de morte”. Gravidez, salvo em situações específicas que não incluem necessariamente a dependência ao crack, não configuraria justificativa. E, em uma situação desse tipo, a autorização de um parente não seria suficiente, a menos que o paciente fosse menor de idade, curatelado ou evidentemente psicótico – um fato que não acontece com a maioria dos craqueiros em situação de rua, por mais que as lendas urbanas e os programas sensacionalistas indiquem o sentido contrário. Mais do que isso, a mera existência desta sugestão em um grande jornal, e o fato dela ter passado razoavelmente incólume na entrevista, mostra que em nosso país as pessoas não têm mais medo de receberem críticas por proposições que em um passado recente seriam consideradas ditatoriais. Independente da questão do crack, isso é, em si, um fato muito preocupante.

Dr.D.V.: “– Por que é tão difícil adotar uma estratégia efetiva de enfrentamento do crack?
- Pela própria característica da dependência. É uma doença crônica.”

Esta resposta ignora, por exemplo a falha do Estado brasileiro em prover um mínimo de dignidade e atenção à saúde para estes indivíduos há muitos anos e remete a um modelo da dependência fechado no biológico, bastante ultrapassado (este sim, com mais de 50 anos) e que ignora as práticas no tratamento de dependência de todas as nuances, desde às modalidades mais libertárias (que sugeririam a abertura de narcossalas, um modelo com bastante sucesso na Europa do Norte) até o discurso mais tradicional das comunidades terapêuticas (que preconiza como essencial a vontade do indivíduo se tratar). Nenhum, repito, absolutamente nenhum tratamento da dependência pode funcionar como política pública se ficar somente focado no discurso da doença crônica e na coerção.

Perceber que o modelo do Dr. Varella é limitado por ser centrado somente no biológico e na doença nos auxilia a entender o trecho a seguir:

Dr.D.V.: "–Fazendo uma analogia com a especialidade do Sr., é como tratar um tumor avançado?
– Exatamente. [...]
A medicina não sabe tratar dependência. Vejo na cadeia meninas desesperadas, me pedindo ajuda. Eu fico olhando com cara de idiota. Não tem o que fazer. Só posso dizer: fique longe da droga.”

É isso. Tratar dependência química não é e nunca será como realizar um tratamento oncológico. Ainda se o fosse, o doutor saberia que não se trata todas as doenças de todos os pacientes com apenas um único recurso terapêutico. Se ele pode, para cuidar de seus doentes, usar as combinações de diversas técnicas – quimio, rádio, imunoterapia, entre outras – por que compreende que a utilização de um recurso único, o da internação compulsória, irá resolver o problema? Olhar o crack como um tumor só pode levar a isso mesmo: o médico com cara de idiota.

Dr.D.V.: “Droga é moda, e a moda do crack vai passar ou ficar restrita a pequenas populações.”

Gostaria muito de saber em que literatura ele se baseou para dar esta resposta. Fico pensando também qual a definição do Dr. Drauzio de ‘moda’ quando aplicada às drogas, pois aí acho que finalmente haveria a chance de que os determinantes psicossociais do adoecimento pudessem ser arejados dentro desse discurso focado exclusivamente no componente orgânico. Aliás, vale anotar que este modelo vem sendo paulatinamente destruído inclusive pelas pesquisas de Neurociências, da genética à neuroimagem funcional, que mostram a natureza complexa e policausal do uso problemático de drogas.

Dr.D.V.: “Nós perdemos muito tempo. Não fizemos campanha educacional, não trabalhamos as crianças. Agora todos ficam horrorizados. Temos que ter aulas nas escolas, aprender desde pequeno. Precisamos chegar antes da dependência.”

Só para fecharmos, vale apontar que os estudos focados na prevenção dos malefícios do uso da droga indicam que as tradicionais abordagens educativas, informando que as drogas ‘fazem mal’ têm baixíssima eficiência, embora, é claro, sejam muito bem intencionadas. Isso já foi demonstrado até por um recente estudo de Neurociências.

O discurso moralizante, em diversos âmbitos, tem frequentemente transbordado os limites do razoável em nosso país. Quando o assunto é drogas, todo mundo tem sua teoria pessoal. Essas teorias tendem a ser muito arraigadas em valores morais individuais e não raro há quem fique pessoalmente ofendido quando algum estudioso do tema apresenta dados que seriam contra-intuitivos. Para a nossa desgraça, além da própria polêmica que existe entre os especialistas, dados contra-intuitivos estão presentes aos montes, neste campo. Por isso, é muito importante que pessoas de influência na mídia, especialmente médicos de grande renome, abstenham-se de falar com base unicamente no senso comum, ainda que seja um senso comum médico. Quando o assunto é polêmico, seria de bom-tom ao menos trazer o benefício da dúvida e o equilíbrio dos especialistas divergentes. Desejo sinceramente que a ‘revolta’ do Dr. Drauzio Varella se equilibre em breve, pois essa zanga poderia servir de desculpa para que as nobres intenções da internação compulsória sejam transformadas, por diversos tipos de oportunistas de plantão, em uma fonte escusa de lucro financeiro ou eleitoral.

Autor: Dr. Luís Fernando Tófoli.
(psiquiatra e professor de Psiquiatria na Universidade Federal do Ceará - UFC)

Leia alguns artigos do Dr. Luís F. Tófoli:

DEZ 2012

NOV 2012

JUL 2012
 

IMPORTANTE!Assine a petição solicitando que o Ministro Alexandre Padilha diga não à internação compulsória de usuários de crack.
 

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Especialistas da ONU e OMS criticam internação compulsória de viciados em crack

A internação compulsória de dependentes de crack não é a maneira mais eficiente de se lidar com o problema do vício, segundo especialistas da ONU e da OMS (Organização Mundial da Saúde) ouvidos pela BBC Brasil.

O tema voltou a debate no Brasil em janeiro, quando o governo de São Paulo fez uma parceria com a Justiça para agilizar a internação forçada de casos extremos de dependentes da droga.

Para o médico italiano Gilberto Gerra, chefe do departamento de prevenção às drogas e saúde do Escritório das Nações Unidas contra a Droga e o Crime (UNODC, na sigla em inglês), é necessário oferecer aos viciados "serviços atrativos e uma assistência social sólida".

"Uma boa cura de desintoxicação envolve tratamento de saúde, inclusive psiquiátrico para diagnosticar as causas do vício, pessoas especializadas e sorridentes para lidar com os dependentes e incentivos como alimentação, moradia e ajuda para arrumar um emprego", diz Gerra.

"O Brasil precisa investir recursos para oferecer serviços que funcionem e ofereçam acompanhamento médico completo, proteção social, comida e trabalho para os dependentes", afirma.

De acordo com ele, o Brasil tem bons profissionais no campo do tratamento das drogas, mas faltam especialistas, e a rede médica nessa área é insuficiente.

Segundo Gerra, a internação compulsória deve ocorrer pelo prazo máximo de algumas semanas e só se justifica quando o dependente apresenta comportamento perigoso para a sociedade ou para si próprio.

Acompanhamento

O médico defende o acompanhamento contínuo mesmo após a fase de desintoxicação, como exames de urina para detectar drogas nas pessoas que receberam auxílio para arrumar um emprego ou a presença de assistentes na hora das compras no supermercado para fiscalizar se o cupom de alimentação recebido é realmente utilizado com essa finalidade.

Autor do documento "Da coerção à coesão: tratando a dependência às drogas por meio de cuidados à saúde e não da punição", do UNODC, Gerra diz que o tratamento do vício do crack não é feito com remédios e sim com acompanhamento psicológico e psiquiátrico.

Ele afirma ainda que os países democráticos devem "estar atentos" ao sistema de internação compulsória para não transformar isso em uma "rede" de tratamento para lidar com o problema.

Para o médico australiano Nicolas Campion Clark, da direção do abuso de substâncias da Organização Mundial da Saúde (OMS), a internação compulsória traz o risco de "criar uma barreira com o dependente" e afetar sua confiança, dificultando, portanto, o tratamento.

Clark afirma que muitos países possuem legislações que autorizam a internação compulsória de dependentes, mas "isso é usado raramente e não funciona realmente na prática".

"É melhor encorajar o sistema voluntário de tratamento. É difícil forçar alguém a se tratar. Se você oferecer uma chance para as pessoas se recuperarem e terem comida, alguns vão agradecer, outros vão querer voltar para onde estavam", afirma.

Problemas múltiplos

O especialista da OMS também afirma que o vício do crack envolve problemas múltiplos (psicológicos e sociais) que devem ser tratados com ações em várias áreas além da médica, como moradia, alimentação, assistência geral e programas de emprego.

Ele afirma que há exemplos de programas de tratamento voluntário de dependentes em países como os Estados Unidos e a Austrália que "ajudam as pessoas a reconstruir suas vidas e não são apenas soluções temporárias".

O médico cita também o programa brasileiro que permite às grávidas viciadas em crack obter tijolos e materiais para construir casas em troca de tratamento.

"Isso dá instrumentos para que elas façam algo diferente em suas vidas", afirma.

A OMS já criticou o sistema de internação compulsória de dependentes realizado em países asiáticos. "Eles detém pessoas viciadas e estão tratando casos de saúde com a prisão", diz Clark.

A organização publicou um documento no ano passado solicitando aos países para fechar os centros de tratamento compulsório de drogas.

Segundo Clark, pelo menos 90% dos dependentes químicos no mundo não recebem tratamento.

São Paulo

Segundo Rosângela Elias, coordenadora de saúde mental, álcool e drogas da Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo, as propostas do governo paulista para o tratamento dos usuários de crack estão de acordo com as premissas da ONU e da OMS.

O governo paulista iniciou em parceria com a Justiça no último dia 21 um plantão jurídico em uma clínica especializada no tratamento de dependentes químicos no centro da capital. A medida gerou polêmica e atraiu críticas de ativistas de direitos humanos, contrários à internação forçada e que temiam o uso da polícia para levar viciados para tratamento.

Autoridades do governo passaram a dizer então que a polícia não participaria da ação e que apenas em casos extremos a internação compulsória seria empregada. Até agora, nenhum paciente foi internado por ordem judicial e menos de 10 foram internados involuntariamente (a pedido da família, mas sem ordem da Justiça), segundo Elias.

Mas, a exposição na mídia aumentou número de atendimentos voluntários nessa clínica. "Passamos a atender até 120 pessoas em um dia. Esse era o número de pessoas que recebíamos em uma semana", disse Elias.

Segundo ela, o Estado mantém ainda cerca de 300 vagas em moradias assistidas. Nelas, o viciado em crack em processo de desintoxicação recebe por até seis meses um local para morar, alimentos e incentivos para voltar ao mercado de trabalho.

Nesse período, também é incentivado a frequentar clínicas públicas especializadas onde recebe atendimento clínico e psicológico. De acordo com Elias, há uma mobilização de secretarias estaduais e municipais para ajudar o dependente químico em recuperação a se reinserir na sociedade.

Informações divulgadas através do portal da BBC Brasil.

quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Internação compulsória é caminho a ser percorrido


Para o médico, medida pode não ser a ideal, mas politizar a questão torna a discussão inútil; segundo ele, ninguém tem receita exata para tratar dependentes de crack.
 
Revoltado. É assim que o médico e colunista da Folha Drauzio Varella, 69, diz se sentir com a polêmica envolvendo a internação compulsória de dependentes de crack, adotada há uma semana pelo governo Alckmin.
 
Cancerologista de formação e com profundo conhecimento em dependência química, Varella considera a discussão “ridícula”.
“Que dignidade tem uma pessoa jogada na sarjeta? Pode ser que internação compulsória não seja a solução ideal, mas é um caminho que temos que percorrer. Se houver exagero, é questão de corrigir.”
 
Ele defende que as grávidas da cracolândia também sejam internadas mesmo contra a vontade. “Eu, se tivesse uma filha grávida, jogada na sarjeta, nem que fosse com camisa de força tiraria ela de lá.”
 
A seguir, trechos da entrevista concedida à Folha, na última quinta, em seu consultório no centro de São Paulo.
Folha – Muito se discute sobre a ineficácia das internações compulsórias. Na opinião do sr., elas se justificam?
Drauzio Varella – Não conhecemos bem a eficácia ou a ineficácia porque as experiências com internações compulsórias são pequenas no mundo. Mesmo as de outros países não servem para nós. O Brasil tem uma realidade diferente.
Neste momento, temos uma quantidade inaceitável de usuários. E muitos chegando aos estágios finais. Estão nas ruas, nas sarjetas. O risco de morte é muito alto, e nós estamos permitindo isso.
 
Qual o tratamento ideal?
Depende da fase. Você tem usuários que usam dois ou três dias e param. Tem gente que usa um, dois dias, repete e nunca mais fica livre. E você tem os que chegam à fase final.
A gente convive com essa realidade, e quando o Estado resolve criar um mecanismo para tirar essas pessoas da rua de qualquer maneira começa uma discussão política absurda. Começam a falar que essa medida não respeita a dignidade humana. Que dignidade tem uma pessoa na sarjeta daquela maneira?
Está na hora de parar com essa discussão ridícula. Pode ser que internação compulsória não seja a solução ideal, mas é um caminho que temos que percorrer. Se houver exagero, é uma questão de corrigir. Vão haver erros, vão haver acertos. Temos que aprender nesse caminho porque ninguém tem a receita.
 
O debate está ideologizado?
Totalmente. É uma questão ideológica e não é hora para isso. Estamos numa epidemia, quanto mais tempo passa, mais gente morre.
Sempre faço uma pergunta nessas conversas: ‘Se fosse sua filha naquela situação, você deixaria lá para não interferir no livre arbítrio dela?’
Eu, se tivesse uma filha grávida, jogada na sarjeta, nem que fosse com camisa de força tiraria ela de lá.
Quando vemos essa discussão nos jornais, parece que estamos discutindo o direito do filho dos outros de continuar usando droga até morrer. É uma argumentação frágil, jargões vazios, de 50 anos atrás. Eu fico revoltado com essa discussão inútil.
 
E o que fazer com as grávidas do crack?
São casos de internação compulsória, o sistema de saúde tem que ir atrás e internar mesmo que não queiram. O crack é mais forte do que o instinto materno. Elas não param porque estão dominadas pelo crack. Tem uma relação de uso e recompensa e acabou. Nada vale tanto quanto essa dependência. Como prevenir a gravidez na cracolândia?
É a coisa mais fácil. Há anticoncepcionais injetáveis, dá a injeção e dura três meses.
 
Haveria mais polêmica…
A menina não engravida para experimentar os mistérios da maternidade, ela engravida porque na situação em que ela vive não há outra forma de se relacionar com os homens. Essa é a realidade.
Precisa levar para um lugar onde terá amparo, um pré-natal decente. Não podemos ficar nessa posição passiva.
 
Por que é tão difícil adotar uma estratégia efetiva de enfrentamento do crack?
Pela própria característica da dependência. É uma doença crônica. Você deixa de ser usuário de uma droga qualquer, mas não deixa de ser dependente. É a mesma história do fumante. Há 20 anos sem fumar, um dia fica nervoso, pega um cigarro e volta a fumar. Ou do alcoólatra.
Com o crack, é a mesma coisa, a dependência persiste para sempre. Você pega uma pessoa que fuma crack, interna, passa por psicólogo, reata laços com a família, passa um ano sem fumar. Aí, um belo dia, recomeça tudo. Você não pode dizer que o tratamento falhou. Ele ficou um ano livre. Isso não invalida que ele seja tratado novamente.
 
Fazendo uma analogia com a especialidade do sr., é como tratar um tumor avançado?
Exatamente. Eu pego uma paciente com câncer avançado, faço um tratamento agressivo com quimioterapia e ela passa seis meses com remissão da doença.
Acho ótimo. Pelo menos passou seis meses bem, com a família, tocando as coisas. Aí, quando sai da remissão [volta do tumor], a gente tenta outro esquema. A gente não se dá ao direito de não tratar um doente porque a doença vai voltar. Por que não se faz isso com usuário de drogas?
 
Isso acontece porque há muito preconceito com as dependências de uma forma geral?
Sim, temos muito preconceito. Nós usamos drogas também, uns fumam, outros bebem, só que temos controle. E temos o maior desprezo pelos que perdem o controle.
 
Qual o futuro do tratamento das dependências?
A medicina não sabe tratar dependência. Vejo na cadeia meninas desesperadas, me pedindo ajuda. Eu fico olhando com cara de idiota. Não tem o que fazer. Só posso dizer: fique longe da droga.
Não tem um remédio que você diga: você vai tomar um remédio bom em que 30% dos casos ficam livres da droga.
O problema é o prazer. Se você conseguir uma pequena molécula que inative os receptores dos neurônios que recebem a cocaína, o sujeito deixa de ter prazer. Há experiências com anticorpos para tentar desarmar essa ligação, mas estamos em fase inicial.
 
O sr. acredita que veremos o fim dessa epidemia do crack?
Droga é moda, e a moda do crack vai passar ou ficar restrita a pequenas populações.
 
Mas para isso acontecer não é preciso uma política nacional de enfrentamento do crack?
Acho que temos que ter uma política nacional para definir as grandes diretrizes. Mas não acho que vamos definir isso com políticas nacionais. Temos que particularizar. Cada cidade tem que criar estruturas locais de atendimento.
Nós perdemos muito tempo. Não fizemos campanha educacional, não trabalhamos as crianças. Agora todos ficam horrorizados. Temos que ter aulas nas escolas, aprender desde pequeno. Precisamos chegar antes da dependência.

Entrevista veiculada no jornal Folha de São Paulo.

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Movimentos sociais protestam contra medida que prevê internações compulsórias

São Paulo - Movimentos sociais fazem na manhã de hoje (21) um ato em frente ao Centro de Referência de Álcool, Tabaco e outras Drogas (Cratod), no centro da capital paulista, para protestar contra a medida do governo estadual que pretende tornar mais ágeis as medidas de internação compulsória ou involuntária de dependentes químicos em São Paulo. Para as organizações ligadas à defesa dos direitos humanos e à luta antimanicomial, a iniciativa seria mais eficiente, na verdade, se houvesse o reforço da política de atenção psicossocial.

“Estão começando do fim e não do começo. Hoje, se tiver uma situação de internação involuntária na Cidade Tiradentes, as mães vão aonde? Vir de lá até aqui [no Cratod]? O que precisamos é ter uma assistência social democrática, universal e ao alcance dessas famílias”, explicou o padre Júlio Lancelloti, membro da Pastoral de Rua da Arquidiocese de São Paulo. Ele defende a instalação de Centros de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (Caps AD) em todos os bairros da cidade.

A novidade da medida que começa a valer hoje é a parceria entre profissionais de saúde da rede estadual, Ministério Público e Tribunal de Justiça de São Paulo. Será instalado no próprio Cratod um plantão diário, das 9h às 13h, para agilizar os processos de internação involuntária ou compulsória de dependentes químicos, especialmente daqueles que frequentam a Cracolândia, na região central

De acordo com a secretária da Justiça e da Defesa da Cidadania, Eloisa de Sousa Arruda, estão sendo respeitados os protocolos da Organização Mundial de Saúde (OMS), assim como de direitos humanos.

Informação divulgada através da Agência Brasil.

Internação à força de viciados divide especialistas


Sob uma forte polêmica, começa a funcionar nesta segunda-feira um acordo entre autoridades de São Paulo que tornará mais ágil a internação forçada de usuários de crack em clínicas de desintoxicação.

Especialistas ouvidos pela BBC Brasil disseram esperar que a ação não se revele mais uma operação repressiva como já ocorreu no passado na Cracolândia – com o intuito aparente de apenas tirar os dependentes de drogas do centro da cidade, sem uma forma efetiva de tratamento.

A ação é baseada em um termo de cooperação técnica assinado pelo governo do Estado de São Paulo, Tribunal de Justiça, Ministério Público e OAB (Ordem dos Advogados do Brasil).

Ela cria uma equipe integrada por médicos, assistentes sociais e juízes sediados no Cratod (Centro de Referência de Álcool, Tabaco e Outras Drogas), no Parque da Luz, próximo a região da Cracolândia.

Segundo o desembargador Antônio Carlos Malheiros – responsável pela parte do TJ na parceria – os dependentes químicos serão levados ao local a fim de passarem por avaliação médica. Caso o usuário necessite de uma internação e se recuse a submeter-se a ela, promotores pedirão a um juiz de plantão que decida sobre uma internação compulsória.

Hoje a lei brasileira prevê três tipos de internação: voluntária, involuntária (por determinação do médico e familiares, se o paciente não tiver condições de decidir) e compulsória (por decisão judicial).

Por ordem do juiz, os dependentes de crack que necessitarem serão imediatamente levados contra sua vontade para uma clínica especializada conveniada com o o governo. Todo o processo deve acontecer em poucas horas.

Ao anunciar a parceria na semana retrasada, o governador Geraldo Alckmin afirmou que o Estado dispõe de aproximadamente 700 leitos especializados para atender os dependentes químicos, a maioria em clínicas conveniadas.

CONVENCIMENTO
Malheiros disse que passou mais de seis meses visitando diariamente a Cracolândia para estudar o assunto. Ele diz acreditar que a solução para o problema do crack em São Paulo não é uma política higienista, de recolhimento em massa.

Para ele, a internação compulsória dos dependentes é necessária, mas deve ser usada apenas como "um exceção a regra".

O magistrado afirmou à BBC Brasil que estratégias do governo usadas no ano anterior – nas quais a Polícia Militar dispersou usuários de drogas do centro – não são as mais adequadas.

O ponto que mais preocupa especialistas é como serão feitas as abordagens aos dependentes químicos na Cracolândia a partir desta segunda-feira: por convencimento ou coerção.

Segundo Malheiros, a ideia da parceria é que a PM esteja presente, mas não participe das abordagens – que devem ser feitas apenas por assistentes sociais e agentes de saúde.

Porém não está claro como usuários contrários à própria internação serão levados espontaneamente para a avaliação médica.

Malheiros afirmou que alguns familiares estão se organizando para convencer e levar seus parentes usuários de crack ao Cratod.

Segundo o magistrado, o tempo de internação forçada determinado pelo juiz será de acordo com a orientação dos médicos.

Leia abaixo as opiniões dos médicos psiquiatras Ronaldo Laranjeira e Dartiu Xavier da Silveira, ambos da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) sobre o tema da internação forçada:

CONTRA
Para o psiquiatra Dartiu Xavier da Silveira, a internação forçada é negativa, de maneira geral. Ela se justifica apenas em aproximadamente 5% dos casos, quando o dependente de crack também apresenta um problema mental grave. Segundo ele, o tratamento de usuários de drogas mais efetivo é voluntário e envolve visitas regulares a clínicas e centros especializados.

Silveira é um renomado professor da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), onde coordena o Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes.

Segundo ele, há situações específicas, do ponto de vista médico, nas quais se justifica a internação involuntária. Isso acontece quando o paciente apresenta psicose (delírios de perseguição e alucinações) ou risco iminente de suicídio.

"Essa pessoa pode não ter um juízo crítico da realidade e então cometer um absurdo, mas não é o crack que faz isso com ele, é o problema mental", disse.

Ele afirmou ainda que, embora os estudos sobre o tema sejam controversos, a taxa de recuperação dos dependentes é maior em um contexto ambulatorial do que no de uma internação.

"É relativamente fácil alguém ficar longe da droga quando está internado, isolado, em condições ideais. O difícil é se manter longe da droga quando você volta para o convívio com a família, com o emprego, com os problemas", disse.

"A consequência é que a grande maioria recai no primeiro mês depois da internação. Além do custo ser muito maior que um tratamento ambulatorial, a eficácia é menor".

Ele afirmou que a população de rua pode ser tratada de forma ambulatorial. Essa abordagem já é usada com frequentadores da Cracolândia. "Isso já é empregado de uma forma muito bem feita", disse.

O psiquiatra defende ainda que sejam oferecidos aos usuários o benefício das moradias assistidas – chamadas no exterior de "halfway houses", hoje ainda insuficientes no Estado -, onde eles receberiam além do teto, acompanhamento médico e ajuda para conseguir emprego e se restabelecer socialmente.

Sobre as críticas de que o número de dependentes na região não diminui ao longo dos anos, Silveira explica que o problema da Cracolândia é majoritariamente social e não médico.

"A condição de miséria da população de rua é decorrência de uma omissão do Estado, da falta de acesso a moradia, à saúde, à educação. O estado de vulnerabilidade em que eles se encontram os torna suscetíveis a se tornar dependentes químicos, mas a droga é consequência e não causa".

Segundo ele, frequentemente as autoridades fazem operações massivas na Cracolândia nas quais prevalece o caráter agressivo e repressivo em detrimento do tratamento por meio do convencimento. Ele citou como exemplo ações ocorridas no início do ano passado – onde policiais militares apenas espalharam os frequentadores da Cracolândia pelo centro da cidade.

"(Essas medidas) destroem anos de trabalho de confiança estabelecida entre o agente de saúde e o morador de rua".

"A gente precisa começar a dar a essa população condições mínimas de cidadania, de qualidade de vida. Isso é uma coisa que o Estado não quer encarar. (A atual ação) me parece mais uma tentativa de tomar uma medida com um impacto midiático, político".

"Mas a gente sabe que isso não vai resolver o problema. Um tipo de proposição dessa ordem é algo que não seria aceito em um país de primeiro mundo".

 
A FAVOR
 
Para o psiquiatra Ronaldo Laranjeira, internar de forma compulsória moradores de rua extremamente dependentes de crack é um "ato de solidariedade". Segundo ele, a maioria das pessoas que chegam contra sua vontade em clínicas de tratamento acabam aderindo voluntariamente ao tratamento após os primeiros dias de internação.

Laranjeira é professor da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e uma das maiores autoridades no assunto no país. Ele se diz favorável à facilitação das internações compulsórias em casos extremos, desde que acompanhada de uma linha especial de cuidados ao paciente após sua desintoxicação inicial.

Ou seja, apenas em casos realmente necessários, sem a adoção de uma abordagem simplista ou higienista, para ocultar um "problema" urbano.

"Você tem que cuidar daquelas pessoas que estão desmaiadas na rua (devido ao uso abusivo do crack). Isso é um ato de solidariedade e não cárcere privado", disse.

Segundo Laranjeira, a maioria dos países democráticos já tem mecanismos para viabilizar a internação compulsória. "Na Suécia, 30% do tratamento psiquiátrico é coercitivo. Os Estados Unidos têm pesquisas que mostram a eficiência desse tratamento e a classe média no Brasil já vem fazendo isso há muito tempo também".

Segundo ele, a internação por ordem judicial está prevista na lei brasileira e já é bastante comum em São Paulo, mesmo antes do início da atual parceria anunciada pelo governo.

Dos cerca de 100 leitos de uma clínica chefiada por Laranjeira no interior do Estado, 50% são ocupados por pessoas internadas por ordem judicial. Ele diz acreditar que a tendência se repete em toda a rede especializada no tratamento de dependentes químicos.

"Toda semana eu faço uma ou duas internações (forçadas) na minha clínica. Mais de 90% delas em uma semana se tornam voluntárias", disse.

Segundo Laranjeira, a pessoa que necessita de uma internação à força chega à clínica em uma situação grave, na qual é praticamente incapaz de discernir o que é melhor para ela. Quando a crise inicial passa, ela começa a ter condições de analisar a situação e acaba concordando com o tratamento.

De acordo com o psiquiatra, o governo de São Paulo já deu um passo significativo quando começou a abrir leitos (30 atualmente) para internação de mulheres grávidas usuárias de crack. Em sua opinião, nesses casos a internação involuntária é muito necessária, pois não envolve apenas a saúde da mãe, mas também a do bebê.

De acordo com Laranjeira, quando uma pessoa é internada compulsoriamente por estar em um estado emergencial de dependência, seu período médio de permanência na clínica não deve ultrapassar dois meses.

Uma vez estabilizado, o paciente deve ser submetido a uma fase de tratamento ambulatorial – frequentando uma clínica especializada uma ou duas vezes por semana, para receber acompanhamento médico, psicológico e de assistentes sociais.

No caso dos moradores de rua – que não podem passar por esse tratamento enquanto hospedados na casa de familiares - ele defende o uso de moradias assistidas.

Elas são necessárias pois é comum que o usuário de crack que acaba numa cracolândia não possua mais emprego, bens e esteja afastado da família.

Nessas moradias, o usuário pode entrar ou sair livremente e recebe apoio do Estado para reconstruir sua vida - ao mesmo tempo que tem a dependência química monitorada.

Informações divulgadas através do portal BBC Brasil.

SP: internação compulsória de viciados começa nesta 2ª

Uma junta jurídica estará de plantão na Cracolândia para avaliar cada caso.

Começa nesta segunda-feira em São Paulo a internação compulsória de usuários de drogas. Um plantão judiciário será instalado na região apelidada de Cracolândia, no centro da capital paulista. A junta jurídica será responsável por analisar casos de internação involuntária (com consentimento da família) ou compulsória (sem necessidade de autorização de parentes) de dependentes químicos que forem levados ao Centro de Referência de Álcool, Tabaco e Outras Drogas (Cratod), na Rua Prates, no centro. O atendimento será das 9h às 13h.

Segundo o governador Geraldo Alckmin (PSDB), o objetivo da medida é proporcionar o tratamento dos casos mais graves de dependência química. "É um trabalho de internação involuntária para casos mais graves, que comprometem a vida e a saúde das pessoas. Já vai ter no Cratod o juiz, o promotor e o advogado. Acho que estamos avançando (no combate ao crack)", disse Alckmin no início deste mês.

O acordo entre governo do estado, Tribunal de Justiça, Ministério Público e Ordem dos Advogados do Brasil foi firmado no dia 11 de janeiro. O programa vale apenas para dependentes químicos com estado de saúde considerado grave e sem consciência de seus atos atestada por psiquiatra. "Não é um projeto higienista nem de internação em massa"”, disse a secretária Eloísa de Souza Arruda, na assinatura dos convênios.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Opinião: Políticas públicas e leitos psiquiátricos

Para onde irão os pacientes?

No final de 2012, o Sindicato dos Hospitais do Estado de São Paulo (Sindhosp) fez um alerta público sobre fechamento de mais de 600 leitos psiquiátricos em território paulista, consequência da extinção de dois hospitais especializados na região de Sorocaba. A medida segue uma linha de raciocínio, uma ideologia, na qual os hospitais não são mais necessários à rede de atenção à saúde mental do País. Semanas após o alerta, outro baque veio à tona: as prefeituras de Sorocaba, Salto de Pirapora e Piedade assinaram um Termo de Ajustamento de Conduta com o Ministério Públicos Federal e o Estadual, comprometendo-se a transferir 2.700 pacientes, hoje internados, para comunidades terapêuticas e Centros de Atenção, Psicossocial (CAPs) num período máximo de três anos.

Enquanto isso, na capital, o governador Geraldo Alckmin anunciou, nos primeiros dias de 2013, que o poder público investirá na internação compulsória de viciadòs em crack. Segundo o governo, esses pacientes serão encaminhados ao Centro de Referêcia de Álcool, Tabaco e Outras Drogas (Cratod), serviço inaugurado na região da Nova Luz justamente para tentar atender às necessidades daqueles que habitam as “cracolândias” da região central da cidade.

O problema das drogas, no entanto, não acaba nos limites da Grande São Paulo. Em especial o do crack, que ganha novos adeptos a cada ano e já constitui uma questão de saúde pública. Pesquisa da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), amplamente divulgada em 2010, revelou que 98% de 3.950 cidades brasileiras já enfrentam problemas com o crack. O trabalho da CNM não se encerrou na pesquisa e ganhou continuidade com o lançamento de um Observatório do Crack, que revelou recentemente outro dado preocupante: 996 dos municípios paulistas registraram, em seus serviços de saúde, mais atendimentos relacionados ao crack do que ao álcool. Em 47% das cidades, o crack também já é o primeiro motivo de atendimento entre as drogas ilícitas. Estima-se que no Brasil 2 milhões de pessoas sejam usuárias de crack. Esse número pode estar negligenciado, dizem especialistas. Além dessa grave epidemia, vivemos uma crescente demanda por atendimentos em saúde mental, que deve agravar-se até 2020, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS).

A depressão, por exemplo, chegará a ocupar a segunda posição entre as doenças mais recorrentes no mundo. Hoje ela afeta 340 milhões de pessoas e é responsável por 900 mil suicídios / ano. Não à toa, uma das principais campanhas deflagradas pelo órgão em 2012 foi "Investir em Saúde Mental"; Segundo a OMS, faltam recursos financeiros e profissionais capacitados, principalmente em países de baixa e média renda.

Caso do Brasil, que investe apenas 2% de seus recursos federais reservados à saúde para a assistência em saúde mental. Nosso país também ignora terminantemente as recomendações da OMS de se manter um leito psiquiátrico para cada mil habitantes. Em São Paulo, o maior polo de saúde do País, temos pouco mais de 13 mil leitos de internação para o tratamento de doentes mentais. Isso equivale a uma relação de 0,23 leito por mil habitantes. A média nacional é ainda pior são 35 mil leitos, ou 0,18 para cada grupo de mil habitantes.

Os números preocupam porque revelam um cenário sucateado, cuja rede de atenção simples; mente inexiste. É a chamada desassistência, que deixa na mão aqueles que precisam de internação e também os que necessitam de acompanhamento psicológico e social para seguir o seu caminho. Afinal, os Centros de Atenção Psicossocial, propagados como serviço de primeira ordem na hierarquia da política do Ministério da Saúde, ainda são insuficientes para atender à demanda de indivíduos que precisam de continuidade no tratamento. Aliás, a rede de atenção à saúde mental deve contemplar todas as fases do tratamento, incluindo o hospital especializado, os CAPs, residências terapêuticas e outras formas de atendimento extra-hospitalar.

Sem entrar no mérito da polêmica da internação compulsória e partindo do princípio de que haverá vaga para todos os viciados em crack, pergunto-me: para onde serão encaminhadas as pessoas após o período de internação e desintoxicação? Sabe-se, por exemplo, que, mesmo sob acompanhamento médico e psicossocial, usuários de crack reincidem na droga em 70% dos casos.

Embora tenhamos todos a convicção de que o modelo dos manicômios tenha ficado para trás, não podemos aceitar, enquanto representantes da sociedade civil organizada, que a população fique sem assistência. E que os hospitais especializados sejam sufocados pelo Ministério da Saúde, por causa de uma política irresponsável de pagamentos irrisórios, obrigando essas instituições a fechar as portas. Só para ter uma ideia, o Sistema Unico de Saúde (SUS) reembolsa uma diária hospitalar em saúde mental a partir de R$ 35, incluindo cinco refeições, atendimento médico, de enfermagem, medicamentos, terapia ocupacional e tudo o que envolve a especialidade. Essa prática levou, de 2001 para cá, ao fechamento de 84 mil leitos psiquiátricos no País.

Afinal, para onde irão os viciados em tratamento? Para onde seguirão os 2.700 pacientes internados em hospitais psiquiátricos na região de Sorocaba? Para onde irão os esquizofrênicos graves, os que estão em surto psicótico, os que correm risco de suicídio? Os hospitais psiquiátricos podem e devem existir, como um braço de assistência para os casos graves, que necessitam de internação e cuidados especiais. É preciso acabar com a inquisição propalada pelos movimentos anti-manicomiais, que contaminaram as esferas de governo. É preciso focar nossos esforços, acima de tudo, na prevenção e na educação da sociedade sobre como lidar com os nossos pacientes, muitos deles ignorados pelas famílias e marginalizados aos nossos olhos anestesiados pela suposta normalidade.

Autor: Yussif All Mere Jr.
(médico e presidente do SINDHOSP)
Artigo veiculado no jornal O Estado de São Paulo.

sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Chage: Nova Luz - SP



terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Opinião: internação compulsória

“A internação involuntária não é mais eficiente ou econômica,
e está associada a maiores riscos éticos”

As cenas são conhecidas de todos: legiões de homens, mulheres e crianças espalhando-se no vácuo social das cidades, iluminando seus rostos com o brilho inconstante de isqueiros, consumindo crack e por ele sendo consumidos. Essas imagens se repetem em todo o país, conclamando por uma resposta.

A solução parece ser simples, e vem de mais de uma fonte. Por exemplo, o doutor Drauzio Varella, divulgador de temas de Saúde, deixou claro que, na sua opinião, a saída envolve internação compulsória. O Ministro da Saúde Alexandre Padilha, emprestando legitimidade às ações controversas de recolhimento compulsório pela prefeitura do Rio de Janeiro, explicitou em abril deste ano que também considera válida a internação involuntária de adultos. E mesmo no campo da ficção, praticamente todos os personagens drogados e alcoólatras das novelas só melhoram quando são internados.

A sensação de urgência, exortada pela constante exposição das calamidades oriundas do uso e do comércio de substâncias ilegais nos inclinam a considerar a possibilidade de que, nesse caso, as políticas de Saúde aproximem-se das práticas de um estado de exceção. Ao se compreender os usuários de crack somente como doentes sem livre-arbítrio ou adictos cujos crimes sustentam seu vício, nada mais lógico para o cidadão de bem do que defender a retirada dos noias do espaço público.

SEM JUSTIFICATIVAS

Se pudermos ultrapassar a camada do “senso comum”, outras perspectivas se desdobram. No caso das internações involuntárias (decididas pela equipe contra a vontade do paciente) ou compulsórias (determinadas por decisão judicial), pode-se dizer claramente que não há evidências que justifiquem o seu uso sistemático enquanto política pública. Embora seja eventualmente necessário, quando comparado a alternativas voluntárias, o tratamento involuntário não é mais eficiente, está associado a maiores riscos éticos e não apresenta maior eficácia em termos econômicos.

A falta de justificativa é tão grande que até o conservador Escritório das Nações Unidas para Drogas e Crime emitiu documentos que orientam que alternativas de colaboração terapêutica são preferíveis à coerção por meios judiciais, e que a internação involuntária deve ser indicada somente quando outras formas de tratamento tiverem sido esgotadas, em casos onde haja claros riscos para a integridade do usuário e/ou seu entorno social.

ZONA CINZENTA

Entretanto, há uma enorme zona cinzenta na interpretação do que são tais riscos, o que leva à prática de abusos evidentes. O Relatório da 4ª Inspeção Nacional de Direitos Humanos, realizado em 2011 pelo Conselho Federal de Psicologia em locais de internação para usuários de drogas – em especial as chamadas comunidades terapêuticas (CTs) – demonstrou flagrantes desrespeitos aos direitos individuais e às normas sanitárias.

São preocupantes, portanto, os relatos de que o governo brasileiro esteja se movendo no sentido de financiar as CTs, legitimando-as como política pública. Isso foi ensaiado inicialmente pelo Ministério da Saúde, mas quando padrões de responsabilidade mínimos foram exigidos, as comunidades terapêuticas praticamente desistiram. Por meio da pressão de seus representantes no Parlamento – na maioria ligados à bancada religiosa – há a sinalização de que as CTs poderão receber verbas por meio da Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (SENAD), que é ligada ao Ministério da Justiça.

Aqui se colocam diversas questões. Se as CTs não se submeteram à auditagem do Ministério da Saúde, podemos confiar que, ao receber o dinheiro da SENAD, elas o empregarão de forma correta e para o prol das pessoas sob tutela? É lícito que o estado laico forneça financiamento para unidades que são, na maior parte, mantidas por entidades religiosas e, por isso, já não pagam impostos? Como incluir minorias religiosas, que já sofrem preconceito, em serviços confessionais? Por que colocar dinheiro público em um sistema que é carente de evidências de efetividade a longo prazo?

HÁ ALTERNATIVAS?

Essas e outras perguntas inquietantes nos levam a refletir sobre qual modelo seria uma alternativa ao da internação. Apesar de esse ser um debate complexo, diante do que está disponível, acredita-se que solução passe por uma rede interdisciplinar, voltada para o provimento de um conjunto de ações, que incluiriam redução de danos para usuários de rua, cuidados ambulatoriais, reabilitação psicossocial, acolhimento voluntário e transitório em repúblicas terapêuticas laicas, cuidados clínicos, e internação de curta duração, em geral para desintoxicação. Construir uma rede acolhedora e multifacetada suficiente exige dinheiro, o que não é fácil em um contexto onde a repressão é a política pública para as drogas que mais recebe investimentos.

É verdade que quase todas as opções citadas – com exceção de ambulatórios – estão contempladas por recentes medidas de financiamento do Ministério da Saúde. Há, porém, dois grandes problemas a serem destacados. Um é que o foco do Ministério tem se mantido no financiamento de serviços e equipes, e não do conjunto de ações a serem realizadas. O outro advém do fato que a decisão em relação à maioria das políticas de Saúde cabe, em última instância, ao município – uma esfera política particularmente sensível à pressão local para soluções sobressaltadas.

Além disso, o que continua a ser servido pela mídia ao olho público é o já monótono espetáculo das ‘cracolândias’ - o que nos faz pensar também sobre a solicitação obsessiva desse mesmo olho público para que a mídia assim o sirva. Nesse círculo vicioso, escapam constantemente ao debate tópicos que incluem, entre outros, a efetividade da chamada Guerra às Drogas, a descriminalização do uso pessoal (como feita em Portugal), o uso de psicodélicos como novas formas de tratamento, os limites da estratégia de Redução de Danos, e até mesmo os conflitos de interesses ocultos.

Há, porém, novidades interessantes neste cenário. Iniciativas como a Rede Pense Livre, a campanha “Lei de Drogas: é preciso mudar” e o movimento pela regulamentação da maconha – só para citar alguns – causam incômodo e geram a necessidade de repensarmos as políticas públicas para drogas no Brasil, incluindo o tabaco e o álcool. Se a abordagem preponderante ao uso de drogas é eminentemente construída por valores sociais, é preciso pensá-la, necessariamente, para além do setor Saúde. Aí pode ser que encontremos esperança.

Conheça melhor a petição que tem ideias consoantes com este texto: http://bit.ly/compulsoria-nao

Autor: Dr. Luís Fernando Tófoli.
(psiquiatra e professor de Psiquiatria na Universidade Federal do Ceará - UFC)
Artigo publicado na revista Caros Amigos.

IMPORTANTE!
Assine a petição solicitando que o Ministro Alexandre Padilha diga não à internação compulsória de usuários de crack.

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Opinião: crack, a mídia e políticas públicas

A epidemia involuntária e suas consequências.

Atualmente, no Brasil, vivemos sob o grave e intenso impacto de uma epidemia que altera a percepção da realidade e ameaça a nossa sociedade. Convido o leitor a fazer um pequeno experimento pessoal: repita a frase acima a diversas pessoas, de variados níveis socioeconômicos e educacionais, perguntando que epidemia é essa. Não é difícil prever a resposta: crack. Consideremos, no entanto, a possível existência de outra epidemia: a de um conjunto de conceitos – memes – associados ao uso crack. Diferente das garatujas das mídias sociais às quais este nome se encontra agora ligado, um meme é, academicamente falando, uma ideia que tende a se replicar e se espalhar como que por contaminação. Concepções políticas e religiosas, por exemplo, seriam típicos memes. A esta epidemia memética corresponderia o seguinte conjunto de ideias, todas questionáveis diante da evidência disponível na literatura sanitária:
1) “vivemos uma epidemia do uso do crack";
2) "o usuário de crack não tem condições de decidir por si mesmo";
3) "a única solução possível para o usuário de crack é a internação compulsória".

O termo epidemia do crack tem sido repetido metodicamente nos meios de comunicação, e é muito fácil aceitá-lo como verdadeiro. Entretanto, não dispomos de dados que apontem que tenha havido crescimento inequívoco do uso de crack nas grandes cidades brasileiras nos últimos anos. Parece claro, no entanto, ainda que mais dados sejam necessários, que o uso do crack cresceu no interior do Brasil. Mesmo assim, resta o desafio de esclarecer se o impacto nestes novos e antigos territórios se deu pelo surgimento de usuários ou porque houve a migração de consumidores do mercado irregular (ainda que lícito) de cola de sapateiro e solventes para o mercado ilegal do crack. A questão, portanto, não está fechada.

A experiência clínica das iniciativas de redução de danos e sua tradição de olhar o indivíduo com uso problemático de drogas ilícitas numa perspectiva mais ampla de cuidados, têm demonstrado que o meme “todo consumidor de crack perde sua autonomia" é inverídico. Há relatos e evidências que indicam claramente que quando o dependente de uma droga cujo uso está associado a grave comprometimento social – como o álcool, os opiáceos e o crack – é tratado como um sujeito e sua vontade é levada em consideração, resultados positivos podem ser atingidos.

É, no entanto, no terceiro meme – o que indica a solução do encarceramento compulsório ou involuntário como único possível – que residiria o maior e mais perigoso erro dessa epidemia memética. Além da redução de danos, existe um vasto conjunto de estratégias que deveriam ser utilizadas. As respostas às intervenções variam muito de indivíduo para indivíduo, e nenhuma medida tem como ser mais eficiente do que um conjunto delas, sem falar na discussão sobre a reforma da legislação de drogas no país. Isso não quer dizer que não existam casos que necessitem do tratamento involuntário – quando a equipe de saúde assim decide, diante do risco do paciente. Mas a melhor evidência disponível nos permite assumir que os casos que exigem internação involuntária são a exceção e não a regra do universo de usuários de crack. Por fim, quando analisamos a literatura sobre tratamento compulsório "aquele determinado pelo poder público e que no Brasil, até o momento, só pode ser aplicado caso a caso e não em massa" descobrimos que ele é ineficiente como cuidado à saúde e vem sendo criticado por sérias distorções éticas.

A epidemia memética do crack estaria, portanto, assentada sobre distorções da realidade que têm uma grande aceitabilidade pública. Mas, por que ela seria um risco à nossa sociedade? Haveria outros problemas além do relevante – e real – sofrimento pessoal e social causado pelo uso do crack? Sim. A questão reside nos riscos de se interpretar o uso de crack como uma doença transmissível e que, portanto, exigiria medidas radicais de isolamento epidêmico. Diante disso, aceitar-se-ia o uso da força como medida emergencial e assim se solapariam os direitos constitucionais, como no caso da ceguidão branca e epidêmica apresentada no romance Ensaio sobre a Cegueira, de José Saramago.

É, portanto, extremamente importante que os trabalhadores dos sistemas únicos de saúde e assistência social não se deixem levar pelo ofuscamento que contamina a visão sobre o crack no Brasil e seduz os políticos a soluções fáceis e autoritárias transvestidas de políticas públicas, como no caso da internação compulsória de usuários do crack proposta por Eduardo Paes [prefeito], na cidade do Rio de Janeiro. Da mesma forma, devemos cobrar do ministro da Saúde, Alexandre Padilha, que tem toda competência para separar o que é epidemia de ideias e o que é agravo real, superar as pressões políticas e assumir um posicionamento mais claro de seu discurso, de forma a não sugerir que haja apoio federal a medidas higienistas e de caráter protofascista.

Autor: Dr. Luís Fernando Tófoli.
(psiquiatra e professor de Psiquiatria na Universidade Federal do Ceará - UFC)
Artigo divulgado através do portal Radis (Fiocruz).

IMPORTANTE!
Assine a petição solicitando que o Ministro Alexandre Padilha diga não à internação compulsória de usuários de crack.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Operação na cracolândia

Após várias e frustradas tentativas do governo de frear o avanço da droga e da miséria urbana no centro da capital paulista, o resultado pouco animador da pesquisa de opinião publicada pelo Estado sobre a Operação Centro Legal não surpreende: a população apoia a iniciativa, mas não acredita no seu êxito. Há 15 anos, a região da Rua Helvétia desafia urbanistas, polícia e administradores públicos que, em seus gabinetes, já a transformaram em centro cultural, polo de tecnologia e nova sede do governo, sem que rigorosamente nada disso tenha saído do papel.

A dispersão dos usuários de crack a que assistimos já aconteceu outras vezes, assim como o bloqueio de acesso aos hotéis degradados, que funcionam como pontos de venda de droga, e o surgimento em seguida de minicracolândias nas imediações. Por isso os planos foram abandonados.

Dessa vez, a Prefeitura afirma que está sendo realizada mais do que uma simples operação policial. Assistências médica e social estão asseguradas, graças à rede de atendimento aos usuários de drogas, instalada nos últimos anos pelo Estado e Prefeitura.

A Operação Centro Legal tem três fases. A primeira é essencialmente policial e tem como alvo o tráfico de drogas com o objetivo de "resgatar as pessoas e diminuir a criminalidade", segundo o comandante da Polícia Militar de São Paulo e chefe das operações, coronel Álvaro Camilo.

Na segunda etapa, haverá o atendimento aos usuários - um centro de convivência com capacidade para 1.200 pessoas funcionará na Rua Prates, no Bom Retiro.

Por fim, um trabalho especial de assistência será mantido para evitar a reincidência. A lógica é simples: primeiro, livrar a região dos traficantes e da violência, o que facilitará em seguida a ação dos agentes sociais e de saúde.

Em entrevista à revista Veja, um dos maiores especialistas do País no tratamento de usuários de crack, o professor de Psiquiatria Ronaldo Laranjeira, da Universidade Federal de São Paulo, afirma que a cidade ainda não está preparada para tratar seus dependentes, que o governo tem visão ingênua da questão e que a rede montada não está à altura da complexidade da situação. Ele acha que se deve começar a tratar desse problema com uma campanha contra o uso público da droga. A seu ver, em nenhuma grande cidade do mundo haveria a tolerância ao crack registrada em São Paulo. Para ele, o poder público não compreende o usuário de droga como um dependente químico diferenciado nem percebe que o tráfico está pulverizado e, por isso, a ação em algumas quadras do centro não resolverá o problema, mas o multiplicará em outros endereços. E não acredita também na eficiência dos Centros de Atenção Psicossocial (Caps).

As operações anteriores na cracolândia falharam porque foram ações isoladas de segurança pública ou de saúde. Agora, pela primeira vez, existe a intenção de realizar um projeto integrado, com ações em diversas frentes, de acordo com a recomendação dos especialistas e com base na experiência de outros grandes centros mundiais que enfrentaram problema semelhante. Por isso, é bom que os que o criticam façam sugestões concretas para melhorar esse projeto.

Em Nova York, o Bryant Park, entre as ruas 40 e 42, foi transformado numa grande cracolândia nos anos 80 e hoje é uma região totalmente recuperada. Na época, estudos mostraram que a epidemia do crack na cidade foi responsável por pelo menos 32% do total de 1.672 homicídios registrados em 1987 e 60% dos homicídios ligados a drogas. Os pontos de venda do crack também funcionavam em edifícios abandonados, as crack houses.

Leis severas foram aprovadas, outras já existentes passaram a ter seu cumprimento rigorosamente cobrado e a "tolerância zero" complementou o plano de combate às drogas e à violência. Em 20 anos, houve uma redução de 80% na criminalidade em geral, em Nova York.

Há 15 anos, São Paulo tenta atingir resultados semelhantes. Para isso, tem muito a aprender com a experiência dos americanos.

Editorial do jornal O Estado de São Paulo.

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Sociedade civil organizada - DEBATE

Evento de lançamento do site de notícias SpressoSP, no dia 4 de janeiro, promoverá debate sobre Projeto Nova Luz, Especulação Imobiliária, Políticas Públicas focadas em Moradia, Crackolândia e muito mais.

O debate, que será aberto ao público, acontecerá na Casa Fora do Eixo (Rua Scuvero, 282, bairro Liberdade, São Paulo), a partir das 10h, no sábado. E também será transmitido ao vivo, via Internet, através dos sites: www.spressosp.com.br e www.casa.foradoeixo.org.br.

Confira a programação completa.

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Nações Unidas marcam o Dia Internacional dos Migrantes neste domingo

Em mensagem sobre a data, Secretário-Geral diz que fenômeno deve ser usado como uma “força para o progresso”; mundo tem 214 milhões de pessoas vivendo fora de seus países de origem.

Neste domingo, 18 de dezembro, as Nações Unidas marcam o Dia Internacional dos Migrantes.

Em mensagem sobre a data, o Secretário-Geral da ONU afirmou que há muitos “mitos e percepções errôneas” sobre migração. Um deles é de que os migrantes são “um fardo” para os países acolhedores.

Inclusão Social

Segundo Ban, o fenômeno deve ser usado como uma “força para o progresso.”

De acordo com a Organização Internacional para Migrações, OIM, o mundo tem pelo menos 214 milhões de pessoas vivendo fora de seus países de origem.

Em entrevista à Rádio ONU, de Lisboa, o chefe interino da OIM em Portugal, Hugo Tavares Augusto, disse que os países que acolhem os migrantes devem implementar políticas de inclusão social.

Obrigações Internacionais

“A mensagem que se deve reter nesse Dia Internacional dos Migrantes é que é necessário que os países levem em conta as dificuldades que existem da parte dos migrantes do acesso aos cuidados de saúde nos países de destino. A ideia chave, no fundo, procura sensibilizar os países para a necessidade de promover políticas de saúde mais inclusivas e mais abrangentes, para que os migrantes possam também estar enquadrados por estes cuidados de saúde. Que eles (esses cuidados) sejam o mais universal e alargado possível.”

De acordo com as Nações Unidas, a migração é um fenômeno que está em todos os países.

O Secretário-Geral da ONU lembrou que qualquer nação tem uma prerrogativa soberana de controlar suas fronteiras. Mas para ele, também é preciso cumprir obrigações internacionais ao garantir a todas as pessoas, independente de nacionalidade ou estado legal, a proteção dos direitos humanos e o direito à não discriminação.

Informação divulgada através da Rádio ONU.