O Plano Brasil Sem Miséria representa, sem dúvida, um novo esforço para promover a inclusão social e produtiva da população extremamente pobre, superando as ações assistencialistas que, embora essenciais para aliviar alguns sintomas, não rompem com o círculo vicioso da pobreza. A principal inovação é a tentativa de articular os mapas da pobreza - identificada pela insuficiência de renda e das carências de serviços públicos - com o mapa de oportunidades e, a partir deles, definir os três eixos de intervenção: o da garantia de renda, o do acesso a serviços públicos e o da inclusão produtiva.
Não está claro como se dará, na prática, a coordenação desses eixos na execução do Brasil sem Miséria. O histórico não autoriza otimismo. Em que pese certa profissionalização no funcionalismo, o comando do Estado brasileiro continua fragmentado pela partilha política entre os partidos aliados, com muitos gerentes que respondem prioritariamente aos seus padrinhos, senão a seus interesses privados, e não aos superiores hierárquicos da administração pública. Não raramente secretarias de um mesmo ministério não se "falam" e concorrem de forma deletéria por recursos e espaço político. O próprio modelo de gestão, cristalizado nos Planos Plurianuais e nas alocações orçamentárias, concebido para integrar políticas, resultou em indesejável isolamento dos projetos e programas. Finalmente, os convênios tornam quase impossível a coordenação entre os níveis de governo, em especial se e quando envolvem vários parceiros regidos por regras e culturas institucionais próprias. O problema é que a fragmentação das políticas se traduz em fragmentação de resultados, que não chegam a se unificar em nenhum nível, nem no indivíduo, domicílio, município ou território. As ações chegam ao destino de forma parcial, em tempos diferentes e com lógicas e exigências particulares. O resultado é a redução da eficácia de muitas ações, mesmo daquelas que, quando examinadas de forma isolada, são bem avaliadas.
O mecanismo de coordenação que tem sido utilizado, de centralizar a autoridade e o acompanhamento num ministro, como no caso do PAC e do Programa Territórios da Cidadania, não parece suficiente para assegurar a efetiva coordenação das intervenções na ponta nem para que o Estado se apresente diante do cidadão como uno, e não como vários, alguns bons e eficientes e outros maus e ineficientes. Tanto o PAC como os Territórios resultaram da reunião de ações e projetos concebidos a partir da lógica própria dos vários ministérios, de um "aproveitamento" do que existia, apenas reempacotados num mesmo documento e apresentados como soluções para problemas que exigem intervenções desenhadas e implementadas com outra lógica, a da integração da política pública.
Não é possível nem desejável reinventar a roda, e o Brasil sem Miséria, apresentado de forma sumária, parece também um aproveitamento, que em si mesmo não é mal, envolto numa nova concepção que, se for posta em prática, contribuirá para reduzir de forma consistente a miséria. Resta saber se será implementando como um amontoado de ações isoladas ou se logrará superar a atual fragmentação política e institucional do Estado no Brasil, que se multiplica em inúmeros Estados.
Fonte: Jornal O Estado de São Paulo.
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