segunda-feira, 24 de maio de 2010

Transtorno mental é pena extra

Conselho Nacional de Justiça realiza mais um mutirão para identificar as condições de detentos que precisam de tratamento psiquiátrico no país.


Detentos com dependência química e transtornos mentais estão condenados a ficar confinados em presídios e cadeias brasileiras, sem tratamento, por falta de vagas em hospitais de custódia e falhas na política de atendimento à saúde mental no sistema penitenciário. Estimativas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) indicam que hoje cerca de 4,5 mil detentos – de uma população carcerária de aproximadamente 474 mil – estão internados em pelo menos 23 hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico em todo o país. No entanto, o número que necessita de atendimento especializado pode ser bem maior. Por falta de investimento em estatísticas, hoje no Brasil não há informações precisas sobre o número de presos que sofrem de transtornos mentais e a quantia de vagas existentes em hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico, ao contrário de países desenvolvidos como os Estados Unidos e Canadá.

A preocupação com as condições dos presos com transtornos mentais levou o CNJ a promover um mutirão em hospitais de custódia e atendimento psiquiátrico de todo o país. O trabalho, iniciado na semana passada, pretende averiguar a situação dos internos, o motivo pelos quais eles estão nas instituições e há quanto tempo. A iniciativa contribuirá para a criação de um banco de dados no setor. A entidade também é responsável pelo mutirão carcerário, que está percorrendo os estados para revisar penas de presos em cadeias públicas e já avaliou mais de 19 mil processos no Paraná.

Conforme a legislação brasileira, devem ser encaminhados a hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico (antigos manicômios judiciais) somente criminosos portadores de doenças mentais ou dependentes químicos. Mas para isso, é preciso provar, a partir de exames médicos, que eles agiram sem ter consciência do que faziam.

Médicos e juízes questionam esta política porque há detentos que também precisam de tratamento especializado para se livrar de transtornos mentais e do vício em drogas em cadeias e presídios.

O médico e membro da Asso¬cia¬ção Brasileira de Psiquiatria (ABP), Luiz Carlos Illafonte Co¬-ronel, diz que o número de vagas disponíveis em hospitais de custódia e atendimento psiquiátrico não é suficiente para atender à demanda. Por isso muitos detentos que sofrem de dependência química, depressão e apresentam transtornos antissociais acabam em cadeias e presídios. “Há quase 500 mil presos no país e certamente nessa massa existem doentes mentais que não estão sendo atendidos em um ambiente que a lei determina e que a ciência recomenda”, diz. Para Coronel, esses detentos são duplamente penalizados porque, ao mesmo tempo em quem cumprem sentença de privação de liberdade, não recebem tratamento adequado. A maior parte da população carcerária, segundo o médico, sofre de dependência química e transtorno antissocial.

Na avaliação do neurocientista da Universidade Estadual de Campinas Renato Sabbatini, os detentos que não estão em hospitais e tem transtornos mentais precisam de tratamento porque a tendência da doença é agravar-se e com o tempo pode predispor o indivíduo ao suicídio.

O coordenador do Departa¬¬mento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerá¬rio e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (DMF) do CNJ, juiz Luciano Losekann, diz que o CNJ já recebeu denúncias de que presos com transtornos mentais estão em presídios comuns. Para ele, este procedimento é condenável. “Eles sofrem, acabam perturbando o ambiente carcerário e são hostilizados pelos outros presos”.

A maioria dos presos que precisam de tratamento e estão em presídios convencionais é de usuários de drogas. A exemplo dos portadores de transtornos mentais, eles são submetidos a perícias médicas, mas caso o laudo mostre que eles tinham parcial consciência de entender o que estavam fazendo quando cometeram o crime, o juiz tem opção de aplicar a pena em cadeias ou presídios ou encaminhá-los a um hospital de custódia. No entanto, segundo Lose-kann, a maioria opta pela pena. Assim, os viciados, geralmente em crack, vão parar em unidades prisionais convencionais e não recebem tratamento. “Dentro do estabelecimento penal ele continua viciado no crack porque o tráfico continua existindo tanto no meio aberto quanto no fechado”, enfatiza.

Mutirão propõe melhorias no Paraná
No Paraná, na segunda semana do mutirão psiquiátrico, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) constatou problemas no Complexo Médico Penal em Quatro Barras, região metropolitana de Curitiba, onde fica o único hospital de custódia e tratamento psiquiátrico do estado.

O juiz Éder Jorge, coordenador do mutirão carcerário no Paraná pelo CNJ, diz que encontrou mu¬¬lhe¬¬¬res dependentes químicas dividindo o mesmo espaço com portadoras de transtornos mentais. “Isso pode prejudicar o tratamento de¬¬las. As dependentes químicas de¬¬viam ir para uma clínica”, avalia.

Segundo o juiz, outra falha que precisa ser corrigida é quanto à acomodação dos internos em celas, condição contrária a nova lei antimanicomial. Segundo Jorge, os internos não são maltratados no local, no entanto não estão recebendo o tratamento como prevê a legislação. O juiz fará um relatório para ser entregue ao CNJ e também pretende iniciar uma mobilização para o poder público construir ambientes adequados a portadores de transtornos mentais e dependentes químicos ou providenciar tratamentos em clínicas especializadas.

O diretor da unidade, Gilmar Kaminski, diz que a interna encontrada pelo juiz estava junto a pacientes com transtornos mentais porque havia passado por um surto, mas retornaria para ambiente adequado.

A unidade paranaense atende cerca 400 homens e 28 mulheres. Como no estado de Santa Catarina não há hospital feminino, o Paraná também recebe internas do estado vizinho.

De acordo com a direção da unidade, não há problema de superlotação no Complexo Médico Penal. O hospital ganhou mais 192 vagas em 2007. Os internos têm à disposição uma equipe formada por psicólogos, médicos, terapeutas ocupacionais e desenvolvem atividades artísticas e escolares. Pelo menos 60% deles fazem tratamento de dependência química, enquanto outros 40% são portadores de transtornos mentais.

Mas o estado não consegue dar a mesma assistência à grande massa carcerária que demanda por atendimento psiquiátrico. No ano passado, um preso com transtorno mental foi morto na delegacia de Campina da Lagoa, no Centro-Oeste. A família tentava transferi-lo há dois anos para uma cela separada ou uma clínica.

No país
Em Minas Gerais, no início deste ano a Defensoria Pública precisou ajuizar uma ação civil pública contra o estado para que 176 presos com transtornos mentais fossem transferidos de cadeias, penitenciárias e presídios para centros especializados.

No estado do Amazonas, o hospital de custódia e tratamento psiquiátrico tem vaga para 20 internos, mas atende 26. Outros cem presos são atendidos por médicos do hospital em presídios que contam com unidades psiquiátricas. Em outros estados, como no Ceará, não há hospitais de custódia. Os detentos são atendidos em unidades penitenciárias ou em hospitais públicos.

Fonte: Gazeta do Povo

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