Acabar com a cultura da violência. Antes tarde do que nunca.
Bater em crianças é hábito antigo. Em todo e qualquer país do planeta. Costume que, a partir da Assembleia Geral da ONU de 1989, passou a ser combatido para impedir que crianças e adolescentes continuem sendo vítimas de castigos corporais e de maus-tratos psicológicos.
No Brasil, a cruzada contra os castigos físicos como forma de educação consolidou-se quando o ex-presidente Lula enviou ao Congresso o Projeto de Lei nº 7.672, estabelecendo o direito de crianças e adolescentes serem educados sem o uso de castigos corporais ou de tratamento cruel ou degradante.
Iniciativa programática, a proposta representa passo significativo para alterar uma cultura que naturaliza o uso da violência. Mas para atingir as metas estipuladas pelo projeto, entendo que a proposta deva ser aperfeiçoada.
Ou seja, é necessário lançar mão dos instrumentos do Estado para operacionalizar, de fato, a lei. Para tanto, é imprescindível capacitar os agentes públicos de saúde, educação, segurança e garantia dos direitos para atender às crianças afetadas e para oferecer apoio às famílias ou agentes agressores. Assim será possível modificar um ambiente que compromete o desenvolvimento físico, social e intelectual de crianças e adolescentes.
Impõe-se a necessidade de evitar que crianças e adolescentes sejam vítimas de adultos que acreditam dispor da prerrogativa de castigá-los física e psicologicamente - prática essa que implica prejuízos ainda maiores do que tapas e surras.
Uma criança violentada por um responsável ou pessoa de sua confiança sofre impacto profundo na construção de sua personalidade. Comumente, baixa estima e insegurança derivam, na vida adulta, associadas a outros fatores, de surras e humilhações sofridas na infância.
Sentimentos de infelicidade, ansiedade e desespero podem ser reflexo daqueles momentos em que foi demonstrada para a criança, por parte dos tutores, a precariedade dos vínculos afetivos.
Não bastasse esse quadro, crianças submetidas a castigos físicos e psicológicos são mais propensas, quando adultas, a apresentar quadros de depressão e fragilidades psicológicas que poderão torná-las mais vulneráveis para, por exemplo, a drogadição e o alcoolismo.
Além disso, o castigo corporal, quando tido como normal, embute o risco de o agressor usar cada vez maior violência, na medida em que prossegue o estado de descontrole emocional do adulto. Nesse contexto, são muitos os exemplos de crianças submetidas a maus-tratos em níveis extremos, quase sádicos.
O processo de tramitação do projeto, contudo, está a se caracterizar por uma evidente incompreensão quanto ao verdadeiro objetivo da proposta: aperfeiçoar o Estatuto da Criança e do Adolescente para garantir às pessoas dessa faixa etária o que já foi assegurado aos adultos e até mesmo aos animais: o direito de não ser objeto de nenhuma violência.
Não se trata de tipificar um novo crime ou promover novas ou mais duras penas no Código Penal, nem de ditar regras de como as relações domésticas de pais e filhos devem se processar.
O que se pretende é afirmar que as tradições que perpetuam o castigo corporal em nossa sociedade não se justificam como instrumento educacional e disciplinar, na medida em que não ensinam a distinguir o certo do errado e não impedem as crianças de se meterem em apuros e confusões.
Primeira nação a suprimir da vida das crianças e dos adolescentes a agressão como forma de educação, a Suécia revogou em 1957 a permissão jurídica de pais que usavam o castigo corporal; implementou a proibição explícita do castigo corporal em 1979; e mantém uma campanha intensiva de educação pública. O Estado sueco teve muitas razões para abolir os castigos físicos. Na década de 1950, todas as crianças apanhavam dos pais, 13% das mães usavam objetos para punir os filhos e a maioria das crianças era espancada.
A Suécia necessitou de mais de duas décadas para, no ano 2000, reduzir o número de crianças que morreram devido a maus-tratos físicos a quatro ocorrências.
No Brasil, a violência contra crianças e adolescentes é considerada um problema de saúde pública, constituindo-se hoje na principal causa de mortes de crianças e adolescentes a partir de cinco anos de idade.
Oferecer ao conjunto da população diretrizes saudáveis para proporcionar uma disciplina infantil construtiva, favorecendo a construção de políticas públicas focadas em uma cultura de relações transgeracionais não violentas, é, sem sombra de dúvida, mais do que desejável. É necessário e urgente. Antes tarde do que nunca!
Autora: Teresa Surita
(Deputada federal (PMDB-RR), vice-líder do PMDB, é relatora do projeto de Lei nº 7.672/2010)
Publicado no jornal Correio Braziliense.
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