O novo momento dos hospitais filantrópicos
Há cinco séculos, os hospitais filantrópicos desempenham papel importante na assistência em saúde no Brasil. Desde a fundação da primeira Santa Casa, em 1530, na cidade paulista de Santos, essas instituições foram fundamentais para o amparo de uma parcela expressiva da população, amenizando o sofrimento de pessoas desprovidas de recursos e de qualquer outro tipo de atendimento.
Mas, à medida que o Estado evoluiu, a atuação desses hospitais também passou por transformações. Como resultado, hoje algumas dessas instituições filantrópicas continuam desempenhando papel essencial, embora diferente, como parceiras estratégicas do Poder Público, para o desenvolvimento do Sistema Único de Saúde (SUS).
O caráter assistencial, que esteve na origem dos hospitais filantrópicos, supria a inexistência de mecanismos de assistência do Estado, ainda em formação. Com o processo de urbanização e a industrialização da atividade econômica, o início do século 20 é marcado pelo aparecimento dos primeiros sistemas previdenciários privados — as Caixas e, posteriormente, os Institutos de Aposentadorias e Pensões, que incluíram a assistência médica voltada a determinadas classes de trabalhadores organizados.
Quase ao mesmo tempo, surgiram os hospitais que, baseados no princípio de alteridade e solidariedade, prestavam o atendimento mútuo às colônias de imigrantes, especialmente as de origem portuguesa, alemã, japonesa e sírio-libanesa. Essas entidades também expressavam, de alguma forma, um sentimento de gratidão à sociedade brasileira, pela acolhida calorosa na nova terra.
Ocorre, então, o aumento gradual da abrangência do atendimento em saúde oferecido a um contingente crescente de trabalhadores na indústria e de outros cidadãos que podiam contar com as próprias redes mútuas. Esse avanço fez com que a atuação das instituições filantrópicas diminuísse progressivamente, embora ainda fosse essencial no caso dos indigentes, pessoas sem recursos e sem qualquer tipo de cobertura.
No fim da década de 1960, o Estado assume um novo papel dentro do regime previdenciário brasileiro e unifica os institutos das categorias de trabalhadores sob o Instituto Nacional de Previdência Social (INPS). A partir daí, o sistema público se abre gradualmente para o atendimento de parcelas crescentes da população, até culminar, na Constituição Federal de 1988, na criação do SUS.
A universalização da saúde, como direito de todos, trouxe novos desafios para o Poder Público e para os hospitais privados que passaram a integrar a rede do SUS. No caso dos hospitais filantrópicos, foi também o momento de repensar a sua relação com o Estado, principalmente no tocante à forma de devolução para a sociedade, das imunidades fiscais definidas pela Constituição.
Os modelos para essa devolução evoluíram ao longo dos anos, baseados em diferentes porcentagens sobre o faturamento das instituições ou de atendimentos destinados aos pacientes do SUS. A partir de 2008, no entanto, os chamados hospitais filantrópicos de excelência entram em uma nova fase e começam a fazer essa devolução por meio de projetos de desenvolvimento da saúde pública previamente aprovados.
Essa mudança qualitativa na relação Estado-filantropia — uma alternativa à antiga fórmula de 60% de atendimentos pelo SUS — foi consolidada no fim de 2009. A filantropia ganha nova estrutura, mais moderna e condizente com o potencial de contribuição para o sistema público de saúde. O novo marco legal, constituído pela Lei n.º 12.101/2009, colocou sob a responsabilidade do Ministério da Saúde a aprovação e a fiscalização de projetos submetidos pelos hospitais filantrópicos de excelência, como forma de devolução das imunidades e isenções fiscais a que têm direito.
De instituições de caridade, como eram há 500 anos, essas instituições se transformaram em parceiros estratégicos, que estão contribuindo para o desenvolvimento do SUS em diferentes níveis: da reforma física e aparelhamento de clínicas e hospitais à qualificação dos profissionais da rede pública de saúde, em áreas como gestão, transplantes, enfermagem e outras.
Trata-se de transferência direta de conhecimento e tecnologia, que chega de modo muito mais efetivo à população e, em razão de seu caráter multiplicador, beneficia parcelas crescentes da sociedade. Sem dúvida alguma, os desafios para a saúde pública no Brasil ainda são imensos, mas o novo modelo de filantropia certamente terá participação cada vez mais importante para consolidar um sistema de atendimento universal e de qualidade.
Autor: Sérgio Fernando Rodrigues Zanetta
Diretor de Filantropia do Hospital Sírio-Libanês
Publicado no Jornal Correio Braziliense
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