quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

A esquizofrenia é uma doença mental marcada por preconceito e medo

Nina, a personagem de Natalie Portman em Cisne negro, não resiste à pressão explosiva da competitiva e exaustiva carreira de bailarina e tem o primeiro surto de esquizofrenia: alucinações e angústia profunda.

Nina, uma bailarina de 28 anos. José Orsi, engenheiro, 27. Ela se preparava para estrelar o balé O lago dos cisnes, o papel mais importante de sua vida. Ele estava prestes a concluir uma pós-graduação em Economia na Universidade de Mississipi, uma das mais importantes do mundo na área. A pressão profissional desencadeou o primeiro surto de esquizofrenia em ambos. A diferença é que Nina é uma personagem vivida pela atriz Natalie Portman no filme Cisne negro, que estreou no último fim de semana nos cinemas nacionais. Já Orsi é um homem de carne, osso e sentimentos, que vive em São Paulo com a doença — o mal atinge cerca de 1% da população mundial.

Assista o trailler do filme "Cisne Negro" no site da Revista Veja.

No drama fictício, a dificuldade de lidar com um diretor manipulador, com uma mãe superprotetora e com as pressões de uma profissão que exige levar disciplina e dedicação ao extremo foi o que desencadeou a primeira crise de Nina. Na dura história real, a vida longe de casa, os estudos exigentes e a eterna vontade de deixar o mundo dos cálculos para se dedicar à pintura foram o gatilho para o primeiro surto de Orsi. Nos dois casos, ambos desenvolveram alucinações, um dos sintomas mais comuns da doença, que ainda não tem causa comprovada.

Nina via feridas e sangramentos pelo corpo, que desapareciam num piscar de olhos. Para o engenheiro em crise, a televisão falava e os presidentes do Brasil e dos Estados Unidos eram amigos que lhe entregariam uma homenagem em breve. “Além das alucinações, perda da memória e dificuldade de manter a afetividade são outros sintomas muito comuns da esquizofrenia”, conta Rogerio Panizzutti, médico psiquiatra e professor do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Tanto Nina quanto José Orsi desenvolveram a doença tarde. Em geral, o problema se apresenta entre 18 e 20 anos. Há ainda casos em que os primeiros sintomas surgem na adolescência, na chamada esquizofrenia hebefrênica. Independentemente de quando ou como ela surge, os efeitos são para a vida toda. “Ela (a doença) me tira a possibilidade de ser comum, de ter uma companheira. Tenho medo de ‘desgraçar’ a vida de alguém, como foi o caso do papai com a mamãe”, conta o brasileiro. O pai de Orsi também era esquizofrênico e morreu atropelado aos 41 anos.

Ainda não há consenso sobre as causas da doença. Segundo os médicos, fatores como hereditariedade e migrações influenciam. “Isso não significa que uma pessoa que tenha alguém na família com equizofrenia também vá desenvolver a doença, ela apenas tem mais chances de ter o problema. Não é uma herança obrigatória”, explica Panizzutti. Especula-se que outros fatores, como situações extremas e problemas no parto, também contribuam para o seu aparecimento.

Mudanças

A esquizofrenia é uma doença de altos e baixos. Momentos de sanidade são alternados com crises que envolvem síndrome de perseguição, alucinações, histeria e delírios. Em geral, nos momentos que entremeiam essas crises, surgem problemas secundários — o principal deles, a depressão, quase onipresente entre os pacientes. Especialistas estimam que 50% de todas as pessoas esquizofrênicas tentam suicídio e cerca de 10% conseguem dar fim à própria vida, seja em momentos de alucinação ou em função da depressão subjacente.

Segundo o psiquiatra Cecílio Sepúlveda Teixeira, a esquizofrenia funciona muitas vezes como uma base. “Sobre ela se desenvolvem problemas relacionados. Pacientes esquizofrênicos tendem a desenvolver com mais frequência problemas como transtornos obsessivos e oscilações de humor. Há casos em que, durante as crises, o paciente fica agressivo; em outros, ocorre retardo mental”, afirma o especialista. A diversidade de causas e sintomas sinaliza que o que se conhece como esquizofrenia pode ser na verdade uma série de doenças com sintomas parecidos.

Para pacientes e médicos, o principal problema não é lidar com a própria saúde. “Existe um preconceito muito grande com o paciente com esquizofrenia. A questão social fica muito prejudicada. Muitos ainda veem o esquizofrênico como aquela pessoa que tem que ser internada, mas os avanços nas terapias mostram que não é mais assim”, conta o psiquiatra Cecílio Teixeira. “Com medicamentos, é possível controlar os sintomas, e a pessoa pode levar uma vida relativamente normal”, explica Paulo*, 41 anos, funcionário da Câmara dos Deputados, diagnosticado aos 19 anos. Nos mais de 20 anos que convive com a doença, muitas vezes sentiu-se abandonado. “Num momento inicial, me afastei das pessoas, mas depois fui vendo que a vida continua. Foi aí que eu percebi que muita gente me via como uma pessoa sem capacidades”, conta.

O funcionário público reclama que as pessoas não veem o esquizofrênico como uma pessoa normal. “Um dia em que ficava mais quieto ou não estava para papo, já me olhavam torto. Via nos olhos de muita gente que elas estavam pensando: ‘Será que ele endoidou de novo?’. Isso era pior que qualquer crise”, conta. Ao mudar-se do Rio de Janeiro para Brasília, ele decidiu encobrir a doença e começar uma vida nova. “Não ache que sou um criminoso por ter que mentir. Não conto mais por conta da reação dos outros do que por minha causa”, completa.

José Orsi também reclama do preconceito. “As pessoas não olham diferente para quem tem diabetes ou pressão alta, não entendo por que tratar com distinção quem é esquizofrênico”, desabafa. O engenheiro teve sua última crise em 2005. Se, para Paulo, o isolamento foi a saída, Orsi encontrou na união seu equilíbrio. Hoje, é secretário da Associação Brasileira de Familiares, Amigos e Portadores de Esquizofrenia (Abre), que presta apoio a pessoas que, direta ou indiretamente, sofrem com o mal. “É como uma família que me acolheu, é bastante interessante o trabalho que desenvolvemos lá”, afirma.

Apesar de sentir-se bem e com os sintomas controlados, Orsi acredita que sua situação pode ser uma exceção. Em muitos casos, o preconceito dos próprios pacientes os impede de buscar ajuda. “Meu apelo é para essas pessoas. Recomendo que procurem a Abre, uma outra instituição ou simplesmente um médico. Ficar sem tratamento é pior do que encarar qualquer realidade, por mais difícil que ela seja”, afirma.

Fonte: Correio Brasiliense

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