Notícia publicada na Revista Emergência edição 02/2011.
Após longo período de chuva sobrecarregar o solo da região do Vale o Itajaí, em Santa Catarina, na primeira semana de dezembro de 2008, enchentes, alagamentos e deslizamentos afetaram severamente 63 municípios e aproximadamente 1,5 milhão de pessoas. Cidades ficaram inundadas, encostas deslizaram soterrando casas, empresas e trechos de estradas.
Informações divulgadas pela Defesa Civil, em janeiro de 2009, contabilizavam 135 vítimas fatais e 78 mil pessoas fora das suas casas, entre desalojados e desabrigados.
Populações inteiras ficaram sem energia elétrica e água potável, e algumas regiões, totalmente isoladas. Hospitais, escolas e ginásios acolheram, provisoriamente, os desalojados, oferecendo-lhes condições básicas para sobrevivência. E os programas de atendimento à saúde emergencial, sobrecarregados, convergiram para a atenção médica imediata, combate às doenças transmissíveis, água e reparação de danos causados à infra-estrutura sanitária.
No dia 9 de dezembro, 2 dias após as ocorrências mais sérias, o psiquiatra José Toufic Thomé, conseguiu reunir-se com a Secretária de Saúde do Estado, Carmen Zanotto, e com a coordenadora estadual em Saúde Mental, Elisia Puel, entre outras autoridades. Seu objetivo era apresentar a proposta de intervenção focada em preparar profissionais e lideranças que trabalhavam no atendimento à população afetada, segundo o Protocolo Internacional da Rede de Ecobioética / UNESCO. Aprovada a aplicação do Programa de Capacitação em Atendimento em Catástrofes, já no dia 15 de dezembro, profissionais da Associação Brasileira de Psiquiatria, sob a coordenação do Dr. Thomé, se reuniram com representantes dos Conselhos Regionais (Psicologia, Serviço Social, Enfermagem, Terapia Ocupacional e Medicina, e outros), para discussão da proposta de atuação em cada município, de forma a assegurar adesão e colaboração de todos na implantação do protocolo.
O Dr. Thomé, durante capacitação de cuidadores em Pernambuco. |
De janeiro de 2009 a dezembro de 2010, foram realizadas 20 capacitações sob o tema “Cuidando dos Cuidadores”, com a participação de 685 profissionais. E em 2009, a Secretaria Estadual de Saúde ainda ofereceu um Curso de Especialização de Terapia Comunitária para 40 profissionais. O Dr. Thomé, que no Brasil, atua como representante da Organização das Nações Unidas - ONU, e da Associação Mundial de Psiquiatria (WPA na sigla em inglês) para assuntos relacionados à intervenção em situações de transtornos psiquiátricos decorrente de catástrofe, explicou que o ‘fator humano’ é característica que precisa ser considerada em situações extremas. Ou seja, a percepção subjetiva com que cada indivíduo compreende e reage às situações de catástrofes, conforme a sua cultura, convicções e experiências sociais. “A dimensão psicossocial contempla não só a possibilidade de adoecimento psíquico, mas também o surgimento de inúmeros problemas como consumo drogas e substâncias psicoativas, comportamentos violentos, e outros” afirma o Psiquiatra. “Pesquisas apontam que após as tragédias de grandes proporções, até um terço da população exposta sofre algum tipo de transtorno em Saúde Mental. Portanto é importante oferecer tratamento adequado para as pessoas expostas, afim de prevenir o seu adoecimento”.
O Programa aplicado em Santa Catarina foi a primeira iniciativa de longo prazo, focada na prevenção de adoecimento em Saúde Mental, empreendida no Brasil. Entre os objetivos principais, destacam-se: Estabelecer programa sustentável e passível de ser reproduzido por período prolongado, visando a minimização do impacto negativo em Saúde Mental provocado pelo desastre; Identificação precoce e encaminhamento terapêutico adequado de casos de transtornos mentais em áreas e grupos de risco; e oferecer suporte especializado, conforme forem detectadas as necessidades específicas da população. O Dr. Thomé ressalta que nem todos os problemas psicossociais ocasionais que surgirem em pessoas expostas em situações extremas devem ser qualificados como doenças. “É compreensível que pessoas saudáveis afligidas por eventos de grande impacto, fiquem emocionalmente desorganizadas, por um período determinado. O trabalho que desenvolvemos em Santa Catarina, priorizou justamente treinar Cuidadores para que acompanhassem a população afetada, durante esse período de desorganização, afim de detectar e atender as pessoas, antes que desenvolvessem transtornos psiquiátricos”, explicou o Dr. Thomé.
Ao final do Programa, em 2010, população e SES puderam confirmar que os esforços empreendidos para minimizar os efeitos da catástrofe sobre a população afetada surtiram efeito. Segundo a SES, o Programa somou esforços na recuperação das pessoas afetadas por enchentes e deslizamentos nas cidades do Vale do Itajaí, e beneficiou diretamente as comunidades, com medidas preventivas que atenuaram o adoecimento em Saúde Mental. “O processo de capacitação permitiu que os participantes compreendessem a importância das ações intersetoriais e de se trabalhar de forma integrada para atender a população exposta em situações de desastres”, avalia Elisia Puel.
A Secretaria de Educação do município de Blumenau, replicou o Programa empreendido em toda a sua rede, e irá capacitar 4.500 funcionários da área de educação, com o objetivo de oferecer maior atenção à população infantil e adolescente. E o Dr. Thomé afirma que as experiências vivenciadas Santa Catarina também contribuíram de forma significativa para o aprimoramento dos protocolos da Rede de Ecobioética, em Programas similares, empreendidos junto às populações afetadas por desastres em Pernambuco e Rio de Janeiro. “O trabalho desenvolvido no Vale do Itajaí serviu como referência em outras ocasiões, inclusive, para profissionais que atuam liderados pelo Brasil, no Haiti. E atualmente, estou iniciando a criação de uma rede de apoio e intervenção nacional, a partir do Ministério da Saúde”, revela.
José Toufic Thomé é psiquiatra e psicoterapeuta psicodinâmico; coordenador e docente do Curso Intervenções em Situações Limite Desorganizadoras no Instituto Sedes Sapientiae - SP; preside a Unidade Brasileira da Rede Ibero-americana de Ecobioética para Educação, Ciência e Tecnologia- Cátedra UNESCO de Bioética - membro internacional e representante da Cátedra UNESCO de Bioética; membro do Comitê Executivo da Associação Mundial de Psiquiatria na Secção de Psiquiatria dos Desastres (WPA) e delegado do Conselho Mundial de Psicoterapia (WCP) na Comissão de Saúde Mental do Conselho Econômico e Social da Organização das Nações Unidas (ONU).
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