quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

A vida com altos e baixos

As mudanças de humor da profes-sora Adriana Matielo, 27, eram até motivo de brincadeira entre seus amigos. Se num momento ela estava bem, "contando piada sobre qualquer coisa", pouco tempo depois podia ficar deprimida, "achando que o mundo é uma droga".

As transformações ocorriam de uma hora para a outra e, na maioria das vezes, não dependiam de nenhum fator externo -ela ficava feliz ou triste independentemente de qualquer acontecimento bom ou ruim.

"Cheguei ao ponto de estar dando risada e cinco minutos depois passar a chorar copiosamente, achando que não merecia viver. Eu não sabia o que estava acontecendo, achava que eu era apenas indecisa", relata. Foi assim desde a adolescência, até que, em 2002, depois de uma crise que alternou um período de forte tristeza com outro de grande excitação, Adriana procurou um psiquiatra.

Foi quando recebeu o diagnóstico de ciclotimia -uma espécie de transtorno bipolar do humor mais leve e crônico. Assim como aconteceu com Adriana, é comum que os ciclotímicos demorem muito a saber que têm um problema, pois normalmente acreditam que as constantes mudanças de humor fazem parte do jeito de ser.

"As flutuações de humor fazem parte da vida, mas passam a ser um distúrbio quando os sintomas não são relacionados a eventos do cotidiano, persistem na maior parte do tempo e trazem sofrimento e prejuízo psicológico e social", explica o psiquiatra Ricardo Moreno, diretor geral do Grupo de Estudos de Doenças Afetivas do IPq (Instituto de Psiquiatria), do Hospital das Clínicas da USP (Universidade de São Paulo), e um dos autores do livro "Distimia: do Mau Humor ao Mal do Humor" (Artmed).

A ciclotimia se caracteriza pela alternância, por ao menos dois anos, entre uma depressão mais leve e fases de hipomania. Mais branda do que a mania, que costuma se traduzir em comportamentos francamente inadequados e às vezes exige até internação psiquiátrica, a hipomania é um estado de exaltação do humor caracterizado por hiperatividade, rebaixamento da crítica, grandiosidade e irritabilidade.

"A pessoa fala mais, fica mais livre de censura, impulsiva, sexualizada. Ela corre mais risco, compra mais, dorme menos", diz o psiquiatra José Alberto del Porto, professor da Unifesp.

Se a princípio essa sensação costuma ser considerada benéfica -tanto que, em geral, os pacientes só chegam ao médico nos momentos de depressão-, os especialistas afirmam que pode trazer prejuízos.

"Era muito ruim. Eu comprava coisas sem ter dinheiro, fiquei com dívidas, passei a beber mais sem me preocupar com nada", conta Adriana.

Diagnosticado há um ano com ciclotimia, o estudante mineiro Bruno (nome fictício), 23, também passou a abusar do álcool -e foi essa ingestão excessiva que o levou ao psiquiatra. Ele conta que sempre teve descontrole nos gastos e costumava mudar de humor facilmente -mas só via problema nas fases depressivas.

Na psicoterapia, ele percebeu que suas crises de hipomania estavam trazendo malefícios. "Você se sente ótimo, quer sair mais, beber mais, fica mais criativo. Não é ruim, mas me trouxe prejuízos financeiros e sociais. Percebi que é muito pesado para o meu corpo."

Hoje, medicado, ele se define como estável, mas diz que fica um pouco confuso com a mudança no comportamento. "A gente fica sem saber direito quem a gente é, o que é nosso e o que é do transtorno."

Distimia

Outro transtorno de humor que costuma demorar a ser descoberto é a distimia. Se a ciclotimia é uma espécie de distúrbio bipolar mais brando e crônico, a distimia é um tipo de depressão também mais leve e persistente por ao menos dois anos, que muitas vezes é confundida com a personalidade da pessoa -que é tida como acomodada, negativa etc.

Foi o que aconteceu com a tecnóloga em logística Carolina Montes, 30, diagnosticada com distimia em 2004. "Desde o início da adolescência, eu sentia muito desânimo, tristeza. Não era uma depressão muito forte, mas eu ficava muito em casa, não me sentia como as outras pessoas da minha idade."

Hoje, ela faz tratamento e terapia e diz que, apesar de ainda ter altos e baixos, sentiu melhora. "Faço o que tem que ser feito, sigo em frente. Há algum tempo eu não conseguiria."

"Os distímicos se adaptam e conseguem funcionar, mas abaixo do seu potencial máximo de capacidade", define Moreno. Segundo ele, a distimia é um problema de saúde pública -atinge 4% da população.

Não há dados sobre a prevalência de ciclotimia, mas sabe-se que, enquanto o transtorno bipolar tipo 1 (o mais grave) afeta cerca de 1% da população, se for considerado todo o espectro bipolar (que inclui a ciclotimia) aproximadamente 5% das pessoas são atingidas.

A distimia e a ciclotimia não têm cura, mas têm tratamento -com antidepressivos e estabilizadores de humor, respectivamente. Também pode ser indicada a psicoterapia.

[...]
"AS FLUTUAÇÕES DE HUMOR PASSAM A SER UM DISTÚRBIO QUANDO OS SINTOMAS NÃO SÃO RELACIONADOS A EVENTOS, PERSISTEM E TRAZEM SOFRIMENTO"

RICARDO MORENO
psiquiatra



Fonte: Folha de S. Paulo

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