O crack é responsável por cerca de 80% das crianças abandonadas pelos pais e que hoje estão abrigadas no programa Trabalho de Emancipação pela Infância e Adolescência (Teia), de Rio Preto, o que corresponde a cerca de 130 menores. Parte deles já foi encaminhada para adoção.
O percentual é uma estimativa do promotor da Vara da Infância e Juventude de Rio Preto, Cláudio Santos de Moraes, responsável por requerer à Justiça a retirada dos filhos da guarda dos pais. Nos últimos dois anos, por determinação do juiz da Vara da Infância e da Juventude, o Teia acolheu 168 crianças e adolescentes que viviam em situação de risco dentro de suas próprias casas.
“A dependência está na base da maioria das situações que envolvem negligência de crianças”, diz. Segundo ele, embora haja outros fatores que contribuem para o abandono, o crack é o principal responsável. “Ele está por trás de tudo. Os dependentes abandonam tudo, ficam só na droga”, diz o promotor.
“O problema está crescendo e se tornando cada dia mais grave”, afirma Maria do Carmo Gardin, coordenadora do Teia. Segundo uma assistente social do setor técnico da Vara da Infância e Juventude, às vezes é preciso apoio policial para retirar as crianças de suas casas devido ao envolvimento dos pais com o tráfico.
Outros fatores acompanham a dependência dos pais e a necessidade de acolher os menores. “A droga nunca está sozinha. Há também o álcool e um complexo sistema econômico, social e cultural que influencia no acolhimento da criança”, diz Janaína Simão, coordenadora da Divisão e Proteção Social Especial da Secretaria de Assistência Social, que engloba o Teia.
Hoje, 56 crianças vivem em uma das sete casas-lares de Rio Preto. Cerca de 20 têm possibilidades remotas de retornarem ao lar. O vício no crack afastou a jovem M., 20 anos, do filho C., de apenas 9 meses. Ele foi a primeira criança abrigada este ano em Rio Preto. M. é dependente da droga desde os 17 anos. Ela ficou internada na Fundação Casa entre 2007 e 2008, se afastou do vício, mas recaiu. “Não é fácil deixar a droga de uma hora para outra.
Tenho tentado, mas é difícil”, diz. A criança foi recolhida após M. fugir da Santa Casa com o filho, no dia 31 de dezembro de 2009. O bebê estava internado com pneumonia. Ela teria deixado o menino com a madrinha, que avisou o Conselho Tutelar. M. diz sofrer com a ausência da criança. “Acham que joguei meu filho no lixo. Mas não é isso”, diz a jovem entre lágrimas. “Sei que ele vai voltar quando eu parar.” A avó da jovem, de 62 anos, afirma ter condições de cuidar do menino. “Eu não consigo viver sem ele.”
O vício também afastou seis irmãos do convívio dos pais. Há cerca de um ano, eles são criados pelos avós. “Estava sentado na calçada, às três horas da tarde, quando o carro do Conselho Tutelar chegou com eles. Disseram que ou a gente cuidava ou iam para adoção”, diz o avô José Antonio Ferreira, 58 anos.
Ele afirma que o filho e a nora bebiam muito, além do envolvimento com a droga. “Os meninos comiam porque pediam. Não tinha nada na casa deles. Eles não pagavam água nem luz.” Os vizinhos fizeram a denúncia ao conselho, que localizou os avós.
Hoje, as crianças são saudáveis e felizes. “Temos dificuldades, pois só minha esposa trabalha e minha aposentadoria não sai. Eles são alegres, obedientes e estudiosos.”
Gêmeos
Em 19 de maio de 2009, os gêmeos Leandro e Leonardo foram retirados dos pais devido ao envolvimento com crack. O pai dos meninos, Vagner Sabino, 35 anos, ficou inconformado com a decisão. Na época, ele fazia tratamento para se livrar da dependência. Os tios dele também se disponibilizaram para conseguir a guarda dos bebês, mas as crianças foram encaminhados para adoção. A reportagem tentou localizar a família, mas ela mudou de endereço e não atendeu ligações telefônicas.
O setor técnico da Vara da Infância e da Juventude de Rio Preto e os assistentes sociais do programa Teia (Trabalho de Emancipação para a Infância e Adolescência) acompanham os pais usuários de droga e os encaminham para a reabilitação. “A família das crianças é visitada e acompanhada, independentemente dos motivos que geraram o acolhimento”, diz Maria do Carmo Gardin, coordenadora do Teia. “Olhamos o que a família tem de positivo e estimulamos a mudança para a reintegração dos filhos.”
A estratégia tem dado certo. Segundo ela, em 90% dos casos, as crianças e adolescentes são reintegradas à família. “O ideal é que elas cresçam no ambiente familiar.” Caso não haja condições de retorno, a Promotoria da Infância e Juventude pode pedir a destituição do poder familiar. Nesse caso, é gerado um processo em que o histórico é analisado. Nele, os pais têm direito à defesa. Se o juiz retirar a guarda, a criança é encaminhada para adoção.
Nos últimos 17 anos, foram realizados 950 processos de adoção no Fórum de Rio Preto, a maior parte deles para famílias da cidade e região. Os números de crianças que ganharam novas famílias no ano passado em Rio Preto não foi divulgado pelo Tribunal de Justiça. De acordo com Janaína Simão, coordenadora Divisão e Proteção Social Especial da Secretaria de Assistência Social, muitas crianças abrigadas pelo Teia são irmãs, o que dificulta o processo de adoção. “Não podemos separa-las. É muito raro alguma família adotar mais de uma criança.”
O vício em crack tem consequências devastadoras para o corpo humano. A droga causa emagrecimento súbito, taquicardia e problemas respiratórios, além de fazer com que o usuário perca noções básicas de higiene e rompa suas relações de afeto. De acordo com a psiquiatra Marilda Gonçalves de Souza, do Centro de Atenção Psicossocial (Caps) Álcool e Drogas da Secretaria de Saúde de Rio Preto, a dependência gerada por qualquer tipo de droga faz com que o usuário se isole da sociedade. O que faz do crack um produto devastador é a instantaneidade que ele age no organismo.
“Uma pessoa pode ficar dependente do crack em dois ou três meses de uso. A dependência do álcool, por exemplo, pode levar de cinco a dez anos”, diz a médica. Segundo Marilda, há quatro tipos de dependentes. O primeiro experimenta a droga por curiosidade. O segundo é um usuário ocasional, que faz uso nos finais de semana. O terceiro caso é classificado como habitual, o que ocorre quando os vínculos sociais e familiares ainda não se romperam, apesar da droga. O quarto e último estágio é a dependência.
Instantâneo
O crack é um subproduto da cocaína, substância natural extraída da folha da coca, planta encontrada na América do Sul. Ele é obtido a partir da mistura da cocaína refinada e substâncias alcalinas, como o bicarbonato de sódio. O resultado é uma base pouco solúvel, que volatiza quando aquecida. O usuário inala o crack pela boca; em menos de dez segundos a droga já está no cérebro.
A partir daí, o crack provoca a liberação de dopamina, neurotransmissor que está ligado às sensações de prazer e de bem-estar. O sentimento de euforia dura cerca de cinto minutos (a cocaína dura entre 20 e 40 minutos). Com isso, o uso da droga se torna contínuo. A compulsão pelo uso ininterrupto da droga é chamada “fissura”.
“Isso faz com que a dependência se estabeleça mais rapidamente. Quando se estabelece a dependência, o usuário rompe suas relações com o mundo exterior” , diz Marilda. “Ele deixa a escola, o trabalho, a família e perde as relações de afeto. Ele só pensa na droga. Nada mais tem importância. Tudo o que ele conseguir será para obter o entorpecente.”
É nesse estágio que o dependente passa a praticar furtos e roubos para manter o vício. “O senso crítico fica completamente comprometido.” Quando está sem a droga, o usuário apresenta sinais de cansaço e depressão intensa. Por isso, eles aumentam a dose. No entanto, tal situação cria uma sensação de medo e pânico, o que pode deixar o viciado extremamente agressivo.
Tratamento
No Caps A/D, o crack é responsável por cerca de 20% dos atendimentos mensais. O programa trabalha com o usuário sem exigir a abstinência. “Nosso trabalho é feito sobre a ótica da redução de danos. O paciente precisa ser responsável pela escolha que fizer e aprender a conviver com a droga.”
Os atendimentos são gratuitos e direcionados tanto aos usuários como aos familiares. “A participação da família é essencial. Não adianta o usuário decidir parar, se recuperar, e voltar a viver em um ambiente desorganizado”, diz a psiquiatra. Além disso, os parentes ou pessoas mais próximas ao viciado também adoecem. O processo é chamado co-dependência.
Na região, há aproximadamente 490 vagas para tratamento de dependência química em casas de recuperação gratuitas e particulares. Quem não desejar a internação, pode procurar ajuda, além do Caps, no Ambulatório Santo Antônio de Pádua na Providência de Deus (Jardim Fuscaldo) ou em grupos de apoio como o Amor Exigente, Narcóticos Anônimos ou Pastoral da Sobriedade.
A foto de uma garotinha é uma das principais motivações para o garçom Junior, 24 anos, se livrar da dependência do crack. A imagem que ele guarda com carinho e orgulho na carteira é de sua filha de 4 anos, com quem se encontrou pouco durante os anos de vício. “Nada tinha importância para mim. Era casado, tinha família. Perdi minha esposa, minha mãe me pôs para fora de casa. O crack me arrasou”, diz ele, que há cinco meses está reaprendendo a viver no Centro de Recuperação Vida Nova, localizado em uma chácara em Potirendaba. No dia 18 de fevereiro, Junior finaliza o seu tratamento. “Quero passear bastante com a minha filha.”
O jovem começou seu caminho nas drogas como tantos outros adolescentes: experimentando maconha. “Um amigo me ofereceu, e, por curiosidade, aceitei.” Ele tinha 15 anos. Pouco mais de dois anos depois, fumou sua primeira pedra de crack. Daí em diante, a vida de Junior começou a adquirir contornos trágicos. “Tinha bons empregos, mas nada interessava.” Ele deixou a esposa e a filha e foi viver com a mãe. “Passei a furtar tudo o que tinha em casa, até ela me expulsar.”
Na rua, alimentava o vício com pequenos furtos. Quando a situação se complicava, corria para a casa da mãe. Lá ele se reencontrava, às vezes, com a filha. “Uma vez ela estava chorando de saudade, porque eu era um pai ausente. Chorei muito e prometi para ela que mudaria. Disse que eu estava me esforçando, mas não estava conseguindo.” Menos de três horas depois, ele já estava fumando crack. “Não me importava com mais nada.”
O convite para a recuperação veio por meio de uma vizinha que conhecia o trabalho desenvolvido pela casa, foi fundada pelo pastor evangélico Paulo César Grassi, ex-alcoólatra. O local sobrevive de doações. “Aqui aprendi sobre Jesus Cristo. E é só ele que pode me ajudar a estar sempre recuperado”, diz. Júnior engordou 25 quilos e reaprendeu a importância de amar e ser amado pela família. “O sorriso da minha mãe e da minha filha ao me verem bem, sem droga, foi o melhor momento da minha vida. Eu nasci de novo”, diz o garçom. Visitar a família faz parte do tratamento. “É por elas e por Jesus que consegui me reerguer.”
A força da fé e o amor pela família foram elementos fundamentais para a recuperação de Elizabete, 53 anos, nove deles consumidos pelo crack. Ela conheceu a droga aos 37 anos, quando morava em São Paulo. Enquanto o vício crescia, ela se afastava da família e da filha, que tinha 15 anos na época. “Nos separamos porque eu me afastei. A minha sorte é que minha família a apoiou. Tenho uma irmã psicóloga que deu suporte a ela. Caso contrário, ela poderia ter seguido o mesmo caminho que o meu.”
O crack tirou de Elizabete, além da confiança da filha, o emprego de estilista e a dignidade. “Não tinha moral. Era uma vida de humilhação.” O caminho de volta à vida foi trilhado no Lar Santa Catarina na Providência de Deus, em Jaci, que foi transferido para Santa Fé do Sul com o nome de Lar Madre Paulina. Elizabete ficou internada nove meses.
“No meu primeiro mês de sobriedade, não tinha coragem de conversar com a minha filha. Tinha culpa. Mas os programas de ressocialização foram nos aproximando e nos unimos novamente.” Hoje a relação das duas se recuperou. “Minha filha se casou e temos um ótimo relacionamento”, diz ela, que frequenta grupos de apoio e trabalha na Associação Lar São Francisco ajudando pessoas que passaram por problemas como ela.
Ajudar dependentes também é o sonho de Mateus Aparecido de Souza, 25 anos. Ele está no quarto mês de recuperação na casa Vida Nova, após viver cinco anos viciado em crack. Ele abandonou a mãe, morou na rua e foi até mesmo ameaçado de morte. A reabilitação veio com o apoio da mãe, a professora Rosimeire Silveira, 49 anos. Ela não se abalou com as críticas e preconceito de amigos e da própria família e, mesmo de longe, sempre lutou pela recuperação do filho.
Ela não esconde o orgulho de ver a recuperação de Mateus. Para completar a felicidade, só mesmo a volta do filho que está preso em decorrência da droga. “Era um menino inteligente, que conseguia ótimos empregos. Deixou tudo pelo crack.” O rapaz deve ser libertado ainda esse ano. “Para uma mãe, nada mais importa que a felicidade dos filhos.” Ela apoia Mateus na ideia de trabalhar com recuperação. “O vício é uma doença que precisa ser encarada de frente. Enquanto não houver incentivos para tratamento, não haverá melhora”, diz ela.
Fonte: Diário Web
O percentual é uma estimativa do promotor da Vara da Infância e Juventude de Rio Preto, Cláudio Santos de Moraes, responsável por requerer à Justiça a retirada dos filhos da guarda dos pais. Nos últimos dois anos, por determinação do juiz da Vara da Infância e da Juventude, o Teia acolheu 168 crianças e adolescentes que viviam em situação de risco dentro de suas próprias casas.
“A dependência está na base da maioria das situações que envolvem negligência de crianças”, diz. Segundo ele, embora haja outros fatores que contribuem para o abandono, o crack é o principal responsável. “Ele está por trás de tudo. Os dependentes abandonam tudo, ficam só na droga”, diz o promotor.
“O problema está crescendo e se tornando cada dia mais grave”, afirma Maria do Carmo Gardin, coordenadora do Teia. Segundo uma assistente social do setor técnico da Vara da Infância e Juventude, às vezes é preciso apoio policial para retirar as crianças de suas casas devido ao envolvimento dos pais com o tráfico.
Outros fatores acompanham a dependência dos pais e a necessidade de acolher os menores. “A droga nunca está sozinha. Há também o álcool e um complexo sistema econômico, social e cultural que influencia no acolhimento da criança”, diz Janaína Simão, coordenadora da Divisão e Proteção Social Especial da Secretaria de Assistência Social, que engloba o Teia.
Hoje, 56 crianças vivem em uma das sete casas-lares de Rio Preto. Cerca de 20 têm possibilidades remotas de retornarem ao lar. O vício no crack afastou a jovem M., 20 anos, do filho C., de apenas 9 meses. Ele foi a primeira criança abrigada este ano em Rio Preto. M. é dependente da droga desde os 17 anos. Ela ficou internada na Fundação Casa entre 2007 e 2008, se afastou do vício, mas recaiu. “Não é fácil deixar a droga de uma hora para outra.
Tenho tentado, mas é difícil”, diz. A criança foi recolhida após M. fugir da Santa Casa com o filho, no dia 31 de dezembro de 2009. O bebê estava internado com pneumonia. Ela teria deixado o menino com a madrinha, que avisou o Conselho Tutelar. M. diz sofrer com a ausência da criança. “Acham que joguei meu filho no lixo. Mas não é isso”, diz a jovem entre lágrimas. “Sei que ele vai voltar quando eu parar.” A avó da jovem, de 62 anos, afirma ter condições de cuidar do menino. “Eu não consigo viver sem ele.”
O vício também afastou seis irmãos do convívio dos pais. Há cerca de um ano, eles são criados pelos avós. “Estava sentado na calçada, às três horas da tarde, quando o carro do Conselho Tutelar chegou com eles. Disseram que ou a gente cuidava ou iam para adoção”, diz o avô José Antonio Ferreira, 58 anos.
Ele afirma que o filho e a nora bebiam muito, além do envolvimento com a droga. “Os meninos comiam porque pediam. Não tinha nada na casa deles. Eles não pagavam água nem luz.” Os vizinhos fizeram a denúncia ao conselho, que localizou os avós.
Hoje, as crianças são saudáveis e felizes. “Temos dificuldades, pois só minha esposa trabalha e minha aposentadoria não sai. Eles são alegres, obedientes e estudiosos.”
Gêmeos
Em 19 de maio de 2009, os gêmeos Leandro e Leonardo foram retirados dos pais devido ao envolvimento com crack. O pai dos meninos, Vagner Sabino, 35 anos, ficou inconformado com a decisão. Na época, ele fazia tratamento para se livrar da dependência. Os tios dele também se disponibilizaram para conseguir a guarda dos bebês, mas as crianças foram encaminhados para adoção. A reportagem tentou localizar a família, mas ela mudou de endereço e não atendeu ligações telefônicas.
O setor técnico da Vara da Infância e da Juventude de Rio Preto e os assistentes sociais do programa Teia (Trabalho de Emancipação para a Infância e Adolescência) acompanham os pais usuários de droga e os encaminham para a reabilitação. “A família das crianças é visitada e acompanhada, independentemente dos motivos que geraram o acolhimento”, diz Maria do Carmo Gardin, coordenadora do Teia. “Olhamos o que a família tem de positivo e estimulamos a mudança para a reintegração dos filhos.”
A estratégia tem dado certo. Segundo ela, em 90% dos casos, as crianças e adolescentes são reintegradas à família. “O ideal é que elas cresçam no ambiente familiar.” Caso não haja condições de retorno, a Promotoria da Infância e Juventude pode pedir a destituição do poder familiar. Nesse caso, é gerado um processo em que o histórico é analisado. Nele, os pais têm direito à defesa. Se o juiz retirar a guarda, a criança é encaminhada para adoção.
Nos últimos 17 anos, foram realizados 950 processos de adoção no Fórum de Rio Preto, a maior parte deles para famílias da cidade e região. Os números de crianças que ganharam novas famílias no ano passado em Rio Preto não foi divulgado pelo Tribunal de Justiça. De acordo com Janaína Simão, coordenadora Divisão e Proteção Social Especial da Secretaria de Assistência Social, muitas crianças abrigadas pelo Teia são irmãs, o que dificulta o processo de adoção. “Não podemos separa-las. É muito raro alguma família adotar mais de uma criança.”
O vício em crack tem consequências devastadoras para o corpo humano. A droga causa emagrecimento súbito, taquicardia e problemas respiratórios, além de fazer com que o usuário perca noções básicas de higiene e rompa suas relações de afeto. De acordo com a psiquiatra Marilda Gonçalves de Souza, do Centro de Atenção Psicossocial (Caps) Álcool e Drogas da Secretaria de Saúde de Rio Preto, a dependência gerada por qualquer tipo de droga faz com que o usuário se isole da sociedade. O que faz do crack um produto devastador é a instantaneidade que ele age no organismo.
“Uma pessoa pode ficar dependente do crack em dois ou três meses de uso. A dependência do álcool, por exemplo, pode levar de cinco a dez anos”, diz a médica. Segundo Marilda, há quatro tipos de dependentes. O primeiro experimenta a droga por curiosidade. O segundo é um usuário ocasional, que faz uso nos finais de semana. O terceiro caso é classificado como habitual, o que ocorre quando os vínculos sociais e familiares ainda não se romperam, apesar da droga. O quarto e último estágio é a dependência.
Instantâneo
O crack é um subproduto da cocaína, substância natural extraída da folha da coca, planta encontrada na América do Sul. Ele é obtido a partir da mistura da cocaína refinada e substâncias alcalinas, como o bicarbonato de sódio. O resultado é uma base pouco solúvel, que volatiza quando aquecida. O usuário inala o crack pela boca; em menos de dez segundos a droga já está no cérebro.
A partir daí, o crack provoca a liberação de dopamina, neurotransmissor que está ligado às sensações de prazer e de bem-estar. O sentimento de euforia dura cerca de cinto minutos (a cocaína dura entre 20 e 40 minutos). Com isso, o uso da droga se torna contínuo. A compulsão pelo uso ininterrupto da droga é chamada “fissura”.
“Isso faz com que a dependência se estabeleça mais rapidamente. Quando se estabelece a dependência, o usuário rompe suas relações com o mundo exterior” , diz Marilda. “Ele deixa a escola, o trabalho, a família e perde as relações de afeto. Ele só pensa na droga. Nada mais tem importância. Tudo o que ele conseguir será para obter o entorpecente.”
É nesse estágio que o dependente passa a praticar furtos e roubos para manter o vício. “O senso crítico fica completamente comprometido.” Quando está sem a droga, o usuário apresenta sinais de cansaço e depressão intensa. Por isso, eles aumentam a dose. No entanto, tal situação cria uma sensação de medo e pânico, o que pode deixar o viciado extremamente agressivo.
Tratamento
No Caps A/D, o crack é responsável por cerca de 20% dos atendimentos mensais. O programa trabalha com o usuário sem exigir a abstinência. “Nosso trabalho é feito sobre a ótica da redução de danos. O paciente precisa ser responsável pela escolha que fizer e aprender a conviver com a droga.”
Os atendimentos são gratuitos e direcionados tanto aos usuários como aos familiares. “A participação da família é essencial. Não adianta o usuário decidir parar, se recuperar, e voltar a viver em um ambiente desorganizado”, diz a psiquiatra. Além disso, os parentes ou pessoas mais próximas ao viciado também adoecem. O processo é chamado co-dependência.
Na região, há aproximadamente 490 vagas para tratamento de dependência química em casas de recuperação gratuitas e particulares. Quem não desejar a internação, pode procurar ajuda, além do Caps, no Ambulatório Santo Antônio de Pádua na Providência de Deus (Jardim Fuscaldo) ou em grupos de apoio como o Amor Exigente, Narcóticos Anônimos ou Pastoral da Sobriedade.
A foto de uma garotinha é uma das principais motivações para o garçom Junior, 24 anos, se livrar da dependência do crack. A imagem que ele guarda com carinho e orgulho na carteira é de sua filha de 4 anos, com quem se encontrou pouco durante os anos de vício. “Nada tinha importância para mim. Era casado, tinha família. Perdi minha esposa, minha mãe me pôs para fora de casa. O crack me arrasou”, diz ele, que há cinco meses está reaprendendo a viver no Centro de Recuperação Vida Nova, localizado em uma chácara em Potirendaba. No dia 18 de fevereiro, Junior finaliza o seu tratamento. “Quero passear bastante com a minha filha.”
O jovem começou seu caminho nas drogas como tantos outros adolescentes: experimentando maconha. “Um amigo me ofereceu, e, por curiosidade, aceitei.” Ele tinha 15 anos. Pouco mais de dois anos depois, fumou sua primeira pedra de crack. Daí em diante, a vida de Junior começou a adquirir contornos trágicos. “Tinha bons empregos, mas nada interessava.” Ele deixou a esposa e a filha e foi viver com a mãe. “Passei a furtar tudo o que tinha em casa, até ela me expulsar.”
Na rua, alimentava o vício com pequenos furtos. Quando a situação se complicava, corria para a casa da mãe. Lá ele se reencontrava, às vezes, com a filha. “Uma vez ela estava chorando de saudade, porque eu era um pai ausente. Chorei muito e prometi para ela que mudaria. Disse que eu estava me esforçando, mas não estava conseguindo.” Menos de três horas depois, ele já estava fumando crack. “Não me importava com mais nada.”
O convite para a recuperação veio por meio de uma vizinha que conhecia o trabalho desenvolvido pela casa, foi fundada pelo pastor evangélico Paulo César Grassi, ex-alcoólatra. O local sobrevive de doações. “Aqui aprendi sobre Jesus Cristo. E é só ele que pode me ajudar a estar sempre recuperado”, diz. Júnior engordou 25 quilos e reaprendeu a importância de amar e ser amado pela família. “O sorriso da minha mãe e da minha filha ao me verem bem, sem droga, foi o melhor momento da minha vida. Eu nasci de novo”, diz o garçom. Visitar a família faz parte do tratamento. “É por elas e por Jesus que consegui me reerguer.”
A força da fé e o amor pela família foram elementos fundamentais para a recuperação de Elizabete, 53 anos, nove deles consumidos pelo crack. Ela conheceu a droga aos 37 anos, quando morava em São Paulo. Enquanto o vício crescia, ela se afastava da família e da filha, que tinha 15 anos na época. “Nos separamos porque eu me afastei. A minha sorte é que minha família a apoiou. Tenho uma irmã psicóloga que deu suporte a ela. Caso contrário, ela poderia ter seguido o mesmo caminho que o meu.”
O crack tirou de Elizabete, além da confiança da filha, o emprego de estilista e a dignidade. “Não tinha moral. Era uma vida de humilhação.” O caminho de volta à vida foi trilhado no Lar Santa Catarina na Providência de Deus, em Jaci, que foi transferido para Santa Fé do Sul com o nome de Lar Madre Paulina. Elizabete ficou internada nove meses.
“No meu primeiro mês de sobriedade, não tinha coragem de conversar com a minha filha. Tinha culpa. Mas os programas de ressocialização foram nos aproximando e nos unimos novamente.” Hoje a relação das duas se recuperou. “Minha filha se casou e temos um ótimo relacionamento”, diz ela, que frequenta grupos de apoio e trabalha na Associação Lar São Francisco ajudando pessoas que passaram por problemas como ela.
Ajudar dependentes também é o sonho de Mateus Aparecido de Souza, 25 anos. Ele está no quarto mês de recuperação na casa Vida Nova, após viver cinco anos viciado em crack. Ele abandonou a mãe, morou na rua e foi até mesmo ameaçado de morte. A reabilitação veio com o apoio da mãe, a professora Rosimeire Silveira, 49 anos. Ela não se abalou com as críticas e preconceito de amigos e da própria família e, mesmo de longe, sempre lutou pela recuperação do filho.
Ela não esconde o orgulho de ver a recuperação de Mateus. Para completar a felicidade, só mesmo a volta do filho que está preso em decorrência da droga. “Era um menino inteligente, que conseguia ótimos empregos. Deixou tudo pelo crack.” O rapaz deve ser libertado ainda esse ano. “Para uma mãe, nada mais importa que a felicidade dos filhos.” Ela apoia Mateus na ideia de trabalhar com recuperação. “O vício é uma doença que precisa ser encarada de frente. Enquanto não houver incentivos para tratamento, não haverá melhora”, diz ela.
Fonte: Diário Web
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Obrigado por acessar o Psicoterapia Brasil!
Sua opinião é importante, será muito bem recebida e esperamos poder contar com ela sempre!