No mês da luta antimanicomial, a Associação Brasileira de Psiquiatria, presidida pelo pernambucano João Alberto Carvalho, chama a atenção para a necessidade de ampliar as ações de reforma psiquiátrica, o que inclui a criação de uma rede integrada e hierarquizada de assistência, desde a atenção primária nas comunidades até às eventuais necessidades de hospitalização. Na entrevista a seguir, Carvalho faz uma análise do processo.
JC – Temos mais de uma década de reforma psiquiátrica e ainda encontramos hospitais lotados de portadores de doença mental? Por quê?
JOÃO CARVALHO – Pernambuco reflete uma condição nacional. O novo modelo de assistência psiquiátrica propôs uma desospitalização. A Associação Brasileira de Psiquiatria não defende os manicômios. A reformulação era necessária e tinha que acontecer. Como a reforma da assistência, passamos a observar fenômenos curiosos. Houve a desospitalização e, paralelamente, não foi garantida uma assistência em termos desejáveis. Não foram progressivamente instalados ambulatórios e outras formas de hospitalização necessárias e indicadas. Os Caps (Centros de Atenção Psicossocial) foram criados, mas a estrutura não foi concebida para atender toda a demanda psiquiátrica, que inclui dar conta de emergência, hospitalização, reabilitação e ambulatório.
JC – É necessária uma assistência específica para cada tipo de paciente?
CARVALHO – Exatamente. Como em toda medicina, existem graus diferentes de complexidade de doença e que pedem ferramentas específicas. Em psiquiatria, não só existem graus de complexidade como estágios diferentes. Pode haver um momento em que o paciente esteja compensado, na sua rotina. Mas pode existir o momento em que ele precise de uma emergência. Se há precariedade das emergências gerais, o que dizer da psiquiátrica? O paciente precisa ter uma rede integrada e hierarquizada de saúde, onde o paciente tenha a prevenção, passando pela hospitalização se necessário, e ambulatório, que deveria ser a ferramenta mais difundida de atendimento. O paciente precisa ter acesso aos medicamentos essenciais e a unidades psiquiátricas em hospital-geral. Essas ferramentas não foram oferecidas no tempo adequado. Se por um lado você tem alguns avanços e excelências em saúde mental, por outro há retrocesso de décadas.
JC – Por que a reforma não avança?
CARVALHO – Faltou determinação para fazer em tempo apropriado a transição do sistema. A pressa revela muitas vezes a necessidade de uma implantação mais ideológica do que assistencial. O discurso foi privilegiado. A lei existe e tecnicamente representa um avanço inédito, mas falta oferecer o que a lei determina. Publicamos em 2006 e entregamos três vezes ao Ministério da Saúde diretrizes para um modelo de assistência em saúde mental e tem sido muito pouco considerado. Tem sido atualizado a cada ano, com informações de psiquiatria infantil e tratamento da dependência de álcool e drogas.
JC – Se os gestores quiserem cumprir a lei, faltarão psiquiatras?
CARVALHO – Não acho que faltem psiquiatras no Brasil. A questão é a má distribuição. Eles estão mais concentrados na área urbana do que no interior e mais centralizados no Sul e Sudeste do que no Norte e certos Estados do Nordeste e Centro-Oeste. No Maranhão todo, só há 21 médicos psiquiatras. No Amapá e Roraima, são dois ou três. Pernambuco tem um número muito bom, são 166 psiquiatras cadastrados, segundo banco de dados do Ministério da Saúde, mas precisa aumentar o número de vagas de residência. O poder público culpa os médicos pelo déficit, dizendo que eles não querem trabalhar no serviço público. Mas a questão é o que eles oferecem como remuneração justa, plano de cargos e educação continuada. A Associação Brasileira de Psiquiatria tem um programa de educação continuada, virtual, com aulas novas a cada mês e avaliação. Ele tem sido copiado no mundo inteiro.
JC – Como evitar o alto consumo de psicotrópicos?
CARVALHO – A medicalização de problemáticas individuais e sociais é um fato no mundo inteiro. Preconizamos que seja evitado. Se as pessoas têm ferramentas educativas, sociais adequadas, a tendência a experimentar determinadas vicissitudes como doença é nula. Isso reduzem o adoecimento da população. Por isso, é necessário promover campanhas educativas e orientação nas escolas. A Anvisa tem feito um trabalho sério de desestímulo ao uso de remédio sem receita. Mas ainda é um fato a venda sem controle.
JC – Como a população carcerária, portadora de doença mental, está sendo assistida?
CARVALHO – A Associação Brasileira de Psiquiatria participa de uma comissão que visita hospitais de custódia. Visitamos no Rio Grande do Sul, São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia. Não chegamos ainda a Pernambuco porque somos poucos. Se o doente está no sistema penitenciário é que ele deixou de ser atendido no sistema de saúde. Propomos um diálogo mais íntimo entre saúde e judiciário. O doente mental não é por si só violento. Se tornou-se, é porque faltou tratamento. Quando ele entra no sistema prisional é duplamente estigmatizado. É doente e criminoso.
JC – Como promover saúde mental?
CARVALHO – A prevenção é essencial e possível. A Associação Brasileira de Psiquiatria tem uma série de ferramentas para crianças, escolas e populações em maior risco, como adolescentes e pessoas que vivenciam catástrofes, como enchentes. Detecção precoce de casos, intervenção, encaminhamento rápido, Programa Saúde da Família com retaguarda psiquiátrica necessária para orientar o profissional e uma rede boa constituem o trabalho primário. A prevenção, portanto, passa por saúde, educação, emprego, condições de moradia, diagnóstico precoce e higiene.
Fonte: Jornal do Commércio
JC – Temos mais de uma década de reforma psiquiátrica e ainda encontramos hospitais lotados de portadores de doença mental? Por quê?
JOÃO CARVALHO – Pernambuco reflete uma condição nacional. O novo modelo de assistência psiquiátrica propôs uma desospitalização. A Associação Brasileira de Psiquiatria não defende os manicômios. A reformulação era necessária e tinha que acontecer. Como a reforma da assistência, passamos a observar fenômenos curiosos. Houve a desospitalização e, paralelamente, não foi garantida uma assistência em termos desejáveis. Não foram progressivamente instalados ambulatórios e outras formas de hospitalização necessárias e indicadas. Os Caps (Centros de Atenção Psicossocial) foram criados, mas a estrutura não foi concebida para atender toda a demanda psiquiátrica, que inclui dar conta de emergência, hospitalização, reabilitação e ambulatório.
JC – É necessária uma assistência específica para cada tipo de paciente?
CARVALHO – Exatamente. Como em toda medicina, existem graus diferentes de complexidade de doença e que pedem ferramentas específicas. Em psiquiatria, não só existem graus de complexidade como estágios diferentes. Pode haver um momento em que o paciente esteja compensado, na sua rotina. Mas pode existir o momento em que ele precise de uma emergência. Se há precariedade das emergências gerais, o que dizer da psiquiátrica? O paciente precisa ter uma rede integrada e hierarquizada de saúde, onde o paciente tenha a prevenção, passando pela hospitalização se necessário, e ambulatório, que deveria ser a ferramenta mais difundida de atendimento. O paciente precisa ter acesso aos medicamentos essenciais e a unidades psiquiátricas em hospital-geral. Essas ferramentas não foram oferecidas no tempo adequado. Se por um lado você tem alguns avanços e excelências em saúde mental, por outro há retrocesso de décadas.
JC – Por que a reforma não avança?
CARVALHO – Faltou determinação para fazer em tempo apropriado a transição do sistema. A pressa revela muitas vezes a necessidade de uma implantação mais ideológica do que assistencial. O discurso foi privilegiado. A lei existe e tecnicamente representa um avanço inédito, mas falta oferecer o que a lei determina. Publicamos em 2006 e entregamos três vezes ao Ministério da Saúde diretrizes para um modelo de assistência em saúde mental e tem sido muito pouco considerado. Tem sido atualizado a cada ano, com informações de psiquiatria infantil e tratamento da dependência de álcool e drogas.
JC – Se os gestores quiserem cumprir a lei, faltarão psiquiatras?
CARVALHO – Não acho que faltem psiquiatras no Brasil. A questão é a má distribuição. Eles estão mais concentrados na área urbana do que no interior e mais centralizados no Sul e Sudeste do que no Norte e certos Estados do Nordeste e Centro-Oeste. No Maranhão todo, só há 21 médicos psiquiatras. No Amapá e Roraima, são dois ou três. Pernambuco tem um número muito bom, são 166 psiquiatras cadastrados, segundo banco de dados do Ministério da Saúde, mas precisa aumentar o número de vagas de residência. O poder público culpa os médicos pelo déficit, dizendo que eles não querem trabalhar no serviço público. Mas a questão é o que eles oferecem como remuneração justa, plano de cargos e educação continuada. A Associação Brasileira de Psiquiatria tem um programa de educação continuada, virtual, com aulas novas a cada mês e avaliação. Ele tem sido copiado no mundo inteiro.
JC – Como evitar o alto consumo de psicotrópicos?
CARVALHO – A medicalização de problemáticas individuais e sociais é um fato no mundo inteiro. Preconizamos que seja evitado. Se as pessoas têm ferramentas educativas, sociais adequadas, a tendência a experimentar determinadas vicissitudes como doença é nula. Isso reduzem o adoecimento da população. Por isso, é necessário promover campanhas educativas e orientação nas escolas. A Anvisa tem feito um trabalho sério de desestímulo ao uso de remédio sem receita. Mas ainda é um fato a venda sem controle.
JC – Como a população carcerária, portadora de doença mental, está sendo assistida?
CARVALHO – A Associação Brasileira de Psiquiatria participa de uma comissão que visita hospitais de custódia. Visitamos no Rio Grande do Sul, São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia. Não chegamos ainda a Pernambuco porque somos poucos. Se o doente está no sistema penitenciário é que ele deixou de ser atendido no sistema de saúde. Propomos um diálogo mais íntimo entre saúde e judiciário. O doente mental não é por si só violento. Se tornou-se, é porque faltou tratamento. Quando ele entra no sistema prisional é duplamente estigmatizado. É doente e criminoso.
JC – Como promover saúde mental?
CARVALHO – A prevenção é essencial e possível. A Associação Brasileira de Psiquiatria tem uma série de ferramentas para crianças, escolas e populações em maior risco, como adolescentes e pessoas que vivenciam catástrofes, como enchentes. Detecção precoce de casos, intervenção, encaminhamento rápido, Programa Saúde da Família com retaguarda psiquiátrica necessária para orientar o profissional e uma rede boa constituem o trabalho primário. A prevenção, portanto, passa por saúde, educação, emprego, condições de moradia, diagnóstico precoce e higiene.
Fonte: Jornal do Commércio
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