O que leva uma pessoa a enviar uma dúzia de flores murchas ou uma caixa de escorpiões artificiais a um desafeto? O mesmo motivo que desperta a vontade de esmurrar alguém numa briga. São apenas jeitos diferentes de lidar com a raiva.
Enquanto os homens, num acesso de fúria, partem mais facilmente para a reação física, a maioria das mulheres tende a expressar sua mágoa com o que se chama de agressão de baixa intensidade -que inclui atitudes de desprezo, fofocas e planos de vingança.
A questão é que essas diferenças não são apenas comportamentais. Elas refletem modos diversos de processar as emoções no cérebro, sugere um estudo recém-divulgado, feito na Universidade Ibero-Americana, no México.
Os pesquisadores chegaram a essa conclusão após avaliar 42 homens e o mesmo número de mulheres, que foram expostos a 120 imagens com quatro características principais: agradáveis, desagradáveis, estímulos capazes de levar à ação e aqueles que deprimem ou levam à inatividade.
Enquanto isso, eram monitorados por meio de eletroencefalograma e pela medida de respostas da atividade neurovegetativa (como temperatura corporal, frequência cardíaca e tensão muscular).
Quando a pessoa reagia com alta atividade emocional a um estímulo desagradável, era classificada como agressor reativo. Se a resposta emocional era mais fraca e o indivíduo planejava uma estratégia para liberar a raiva posteriormente, era caracterizado como proativo. Os dados revelaram que 70% dos homens tendem à impulsividade, em comparação com apenas 10% das mulheres.
"O comportamento reativo é um ato não planejado, dirigido pela raiva, que objetiva machucar a vítima", disse à Folha, por e-mail, o autor do estudo, o psicólogo Oscar Galicia, do laboratório de neurociências do Departamento de Psicologia da Universidade Ibero-Americana. "Já a agressividade premeditada é um meio de chegar a um objetivo diferente do de ferir fisicamente."
E, nesse quesito, as mulheres são especialistas, como atestam os números da pesquisa.
Em uma loja de Barueri (SP), especializada em vender produtos sob medida para quem quer atingir o alvo sem derrubar uma gota de suor, as mulheres são 85% da clientela. Com o explicativo nome de Doces Vinganças, a loja vende por mês 1.500 itens como peixes podres, ovos em pedestais com dizeres como "para o galinha do ano" e coisas do gênero - além das citadas no início da reportagem.
"O "presente" é um objeto simbólico usado para expressar sensações e coisas que a pessoa não consegue verbalizar diretamente", justifica a empresária Kiki Sudário. Os objetos custam de R$ 46 (uma pá de lixo) a R$ 388 (um par de chifres naturais, incluindo a entrega).
"Concordo plenamente que as mulheres respondem de uma maneira mais elaborada em determinados casos", afirma o psiquiatra Luiz Cuschnir, coordenador do Gender Group do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo, que presta assistência psicoterapêutica e desenvolve pesquisas sobre gênero. "As mulheres elaboram mais e criam estratégias para atingir seu alvo", diz.
O problema é que, muitas vezes, a raiva leva a mulher a viver uma eterna fantasia negativa. A psicóloga Denise Ramos, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, relata casos de gente que planeja, com requintes de detalhe, assassinatos que nunca serão concretizados. "A mulher fica invadida pelo sentimento de vingança e isso a impede de se livrar do agressor, levando a pensamentos obsessivos. Já os homens descarregam mais rápido", compara.
Por outro lado, a reação dos homens, mais impulsiva, não costuma medir as consequências. "Eles precisam agir, são levados a ter uma reação imediata quando estão diante de situações que os afrontam diretamente, como é o caso da traição", nota Cuschnir.
Biologia e cultura
Não importa se a pessoa descarrega sua raiva com um soco na parede ou espalhando mentiras: por trás da agressão, há de fatores biológicos a culturais e sociais. "A base da diferença é física", diz Denise Ramos.
Segundo ela, o corpo do homem, dotado de mais força e massa muscular, foi equipado para reagir fisicamente. Já as mulheres atacam mais verbalmente. "A raiva é igual, mas ela sabe que não pode competir com o homem, então precisa elaborar um plano e segura a raiva em função dele", observa. "Isso não quer dizer que a agressão seja menos cruel."
Para a antropologia social, no entanto, essa diferença entre os padrões de homens e mulheres não é determinada pelo sexo ou pela biologia -é construída nas relações sociais. "Essas generalizações soam muito falsas quando fazemos pesquisa empírica e mesmo quando observamos bem as pessoas", diz a antropóloga Heloísa Buarque de Almeida, professora da USP e pesquisadora colaboradora do Pagu, Núcleo de Estudos de Gênero da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas). "O gênero é aprendido, o que explica tantas variações entre sociedades e variações históricas numa só sociedade."
Pesquisas feitas na década de 1930 pela antropóloga norte-americana Margaret Mead mostram que as reações podem ser diferentes em outras culturas. Em uma tribo estudada pela cientista, homens e mulheres eram dóceis, em outra, ambos eram agressivos e, em uma terceira, as mulheres eram mais explosivas que os homens.
"Isso mostra como muito do que achamos serem comportamentos "naturais" são socialmente aprendidos. Desde o nascimento, os meninos aprendem que podem ser mais agressivos, mas não devem chorar, assim como as meninas devem supostamente controlar melhor as emoções e não ser agressivas, mas podem chorar mais vezes", observa a antropóloga Heloísa Buarque.
O fato é que a agressividade existe em todos os seres vivos e teve um importante valor adaptativo. Até as plantas usam seus espinhos para afastar animais que desejam comê-las.
"Ao longo da evolução, esse sentimento permitiu a reprodução da espécie, a conquista de território e a obtenção de recursos, garantindo a sobrevivência", diz Galicia.
Há basicamente três tipos de agressividade: a voltada para atingir um objetivo, a que visa exclusivamente à defesa e a que pretende fazer o mal ao outro. E nem sempre ela tem uma conotação negativa.
As duas primeiras só se transformam em transtorno quando, em nome do objetivo, pratica-se o mal ou quando a preocupação com a defesa vira uma prisão que impede a pessoa de se relacionar com os demais. Já o terceiro tipo é sempre negativo.
"A pessoa pode até experimentar a vingança, mas é um prazer efêmero e frágil", diz o psicoterapeuta Ari Rehfeld, supervisor da clínica psicológica da PUC-SP.
Reações infantis
Tanto esmurrar alguém como planejar uma vingança são formas imaturas de lidar com a agressividade. "A capacidade de análise fica diminuída nesses casos", diz Rehfeld.
"A exposição a modelos inadequados está por trás disso", diz Galicia. "Se a criança aprende que a violência é uma estratégia válida de interação social, vai achar que esse é um meio de alcançar seus objetivos, independentemente do dano causado aos demais."
Já a vingança é sempre negativa, frisa Denise Ramos. "A pessoa vai agir em função do outro e, pior, nunca ficará satisfeita, pois não há pedido de perdão", afirma. "A raiva pode ser um bom combustível para mudanças ou destruições irreparáveis", acrescenta Cuschnir.
O segredo para lidar com as situações capazes de nos fazer explodir de raiva? Considerar as consequências, aprender a conversar (ouvindo o outro), reconhecer as próprias emoções e tomar decisões lógicas -mesmo se a vontade for de enforcar o indivíduo ou embarcá-lo num cruzeiro para o Alasca sem passagem de volta.
Fonte: Folha de S. Paulo
Enquanto os homens, num acesso de fúria, partem mais facilmente para a reação física, a maioria das mulheres tende a expressar sua mágoa com o que se chama de agressão de baixa intensidade -que inclui atitudes de desprezo, fofocas e planos de vingança.
A questão é que essas diferenças não são apenas comportamentais. Elas refletem modos diversos de processar as emoções no cérebro, sugere um estudo recém-divulgado, feito na Universidade Ibero-Americana, no México.
Os pesquisadores chegaram a essa conclusão após avaliar 42 homens e o mesmo número de mulheres, que foram expostos a 120 imagens com quatro características principais: agradáveis, desagradáveis, estímulos capazes de levar à ação e aqueles que deprimem ou levam à inatividade.
Enquanto isso, eram monitorados por meio de eletroencefalograma e pela medida de respostas da atividade neurovegetativa (como temperatura corporal, frequência cardíaca e tensão muscular).
Quando a pessoa reagia com alta atividade emocional a um estímulo desagradável, era classificada como agressor reativo. Se a resposta emocional era mais fraca e o indivíduo planejava uma estratégia para liberar a raiva posteriormente, era caracterizado como proativo. Os dados revelaram que 70% dos homens tendem à impulsividade, em comparação com apenas 10% das mulheres.
"O comportamento reativo é um ato não planejado, dirigido pela raiva, que objetiva machucar a vítima", disse à Folha, por e-mail, o autor do estudo, o psicólogo Oscar Galicia, do laboratório de neurociências do Departamento de Psicologia da Universidade Ibero-Americana. "Já a agressividade premeditada é um meio de chegar a um objetivo diferente do de ferir fisicamente."
E, nesse quesito, as mulheres são especialistas, como atestam os números da pesquisa.
Em uma loja de Barueri (SP), especializada em vender produtos sob medida para quem quer atingir o alvo sem derrubar uma gota de suor, as mulheres são 85% da clientela. Com o explicativo nome de Doces Vinganças, a loja vende por mês 1.500 itens como peixes podres, ovos em pedestais com dizeres como "para o galinha do ano" e coisas do gênero - além das citadas no início da reportagem.
"O "presente" é um objeto simbólico usado para expressar sensações e coisas que a pessoa não consegue verbalizar diretamente", justifica a empresária Kiki Sudário. Os objetos custam de R$ 46 (uma pá de lixo) a R$ 388 (um par de chifres naturais, incluindo a entrega).
"Concordo plenamente que as mulheres respondem de uma maneira mais elaborada em determinados casos", afirma o psiquiatra Luiz Cuschnir, coordenador do Gender Group do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo, que presta assistência psicoterapêutica e desenvolve pesquisas sobre gênero. "As mulheres elaboram mais e criam estratégias para atingir seu alvo", diz.
O problema é que, muitas vezes, a raiva leva a mulher a viver uma eterna fantasia negativa. A psicóloga Denise Ramos, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, relata casos de gente que planeja, com requintes de detalhe, assassinatos que nunca serão concretizados. "A mulher fica invadida pelo sentimento de vingança e isso a impede de se livrar do agressor, levando a pensamentos obsessivos. Já os homens descarregam mais rápido", compara.
Por outro lado, a reação dos homens, mais impulsiva, não costuma medir as consequências. "Eles precisam agir, são levados a ter uma reação imediata quando estão diante de situações que os afrontam diretamente, como é o caso da traição", nota Cuschnir.
Biologia e cultura
Não importa se a pessoa descarrega sua raiva com um soco na parede ou espalhando mentiras: por trás da agressão, há de fatores biológicos a culturais e sociais. "A base da diferença é física", diz Denise Ramos.
Segundo ela, o corpo do homem, dotado de mais força e massa muscular, foi equipado para reagir fisicamente. Já as mulheres atacam mais verbalmente. "A raiva é igual, mas ela sabe que não pode competir com o homem, então precisa elaborar um plano e segura a raiva em função dele", observa. "Isso não quer dizer que a agressão seja menos cruel."
Para a antropologia social, no entanto, essa diferença entre os padrões de homens e mulheres não é determinada pelo sexo ou pela biologia -é construída nas relações sociais. "Essas generalizações soam muito falsas quando fazemos pesquisa empírica e mesmo quando observamos bem as pessoas", diz a antropóloga Heloísa Buarque de Almeida, professora da USP e pesquisadora colaboradora do Pagu, Núcleo de Estudos de Gênero da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas). "O gênero é aprendido, o que explica tantas variações entre sociedades e variações históricas numa só sociedade."
Pesquisas feitas na década de 1930 pela antropóloga norte-americana Margaret Mead mostram que as reações podem ser diferentes em outras culturas. Em uma tribo estudada pela cientista, homens e mulheres eram dóceis, em outra, ambos eram agressivos e, em uma terceira, as mulheres eram mais explosivas que os homens.
"Isso mostra como muito do que achamos serem comportamentos "naturais" são socialmente aprendidos. Desde o nascimento, os meninos aprendem que podem ser mais agressivos, mas não devem chorar, assim como as meninas devem supostamente controlar melhor as emoções e não ser agressivas, mas podem chorar mais vezes", observa a antropóloga Heloísa Buarque.
O fato é que a agressividade existe em todos os seres vivos e teve um importante valor adaptativo. Até as plantas usam seus espinhos para afastar animais que desejam comê-las.
"Ao longo da evolução, esse sentimento permitiu a reprodução da espécie, a conquista de território e a obtenção de recursos, garantindo a sobrevivência", diz Galicia.
Há basicamente três tipos de agressividade: a voltada para atingir um objetivo, a que visa exclusivamente à defesa e a que pretende fazer o mal ao outro. E nem sempre ela tem uma conotação negativa.
As duas primeiras só se transformam em transtorno quando, em nome do objetivo, pratica-se o mal ou quando a preocupação com a defesa vira uma prisão que impede a pessoa de se relacionar com os demais. Já o terceiro tipo é sempre negativo.
"A pessoa pode até experimentar a vingança, mas é um prazer efêmero e frágil", diz o psicoterapeuta Ari Rehfeld, supervisor da clínica psicológica da PUC-SP.
Reações infantis
Tanto esmurrar alguém como planejar uma vingança são formas imaturas de lidar com a agressividade. "A capacidade de análise fica diminuída nesses casos", diz Rehfeld.
"A exposição a modelos inadequados está por trás disso", diz Galicia. "Se a criança aprende que a violência é uma estratégia válida de interação social, vai achar que esse é um meio de alcançar seus objetivos, independentemente do dano causado aos demais."
Já a vingança é sempre negativa, frisa Denise Ramos. "A pessoa vai agir em função do outro e, pior, nunca ficará satisfeita, pois não há pedido de perdão", afirma. "A raiva pode ser um bom combustível para mudanças ou destruições irreparáveis", acrescenta Cuschnir.
O segredo para lidar com as situações capazes de nos fazer explodir de raiva? Considerar as consequências, aprender a conversar (ouvindo o outro), reconhecer as próprias emoções e tomar decisões lógicas -mesmo se a vontade for de enforcar o indivíduo ou embarcá-lo num cruzeiro para o Alasca sem passagem de volta.
Fonte: Folha de S. Paulo
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Obrigado por acessar o Psicoterapia Brasil!
Sua opinião é importante, será muito bem recebida e esperamos poder contar com ela sempre!