sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

Um psicanalista, por favor!

QUINET, Antônio. O GLOBO, 8/11/08, Seção OPINIÃO, 1º Caderno, p. 7.

A entrevista de Nayara pelo Fantástico no dia de finados confirmou o desfuncionamento do GATE no seqüestro de cem horas de Eloá. Tudo indica que os policiais não têm a formação adequada para tal. E deveriam? O que entendem da subjetividade, da agressividade e da psicopatologia da vida amorosa? Dizer que se tratava de uma “crise amorosa” não é exatamente um diagnóstico, não é coronel Eduardo Félix? O próprio seqüestrador pediu a substituição de seu interlocutor, o capitão Giovanini, para não prejudicá-lo, pois ele poderia dar voz ao “diabinho”. Por que não passar imediatamente o telefone para um psicanalista? O capitão era qualificado para decidir se esse “diabinho”, que falava com Lindemberg era uma simples figura de retórica ou uma alucinação? Ora, a injúria e o imperativo alucinatórios são causa freqüente de atos auto e hetero-agressivos que podem levar à morte.

As equipes de resgates deveriam ter um psicanalista que as orientasse e pudesse intervir em situações limites. O diálogo que se estabelece com um sujeito visivelmente alterado na urgência não pode ter apenas como guia o senso comum ou a experiência pessoal. O próprio governador José Serra afirmara que o seqüestrador sofria durante as cem horas de terror de “oscilações entre depressão e raiva”. (O Globo 19/10/08). O saber do analista vai muito além, pois ele é formado na escola das paixões da alma. Lindemberg teria dito muito mais coisas, pois o analista sabe escutar e fazer as boas perguntas – permitindo ao seqüestrador falar do diabo que o seqüestra. E assim, orientar o diálogo tentando fazer Lindemberg passar da exaltação do ciúme-ódio para a tristeza do luto do ciúme-perda. E soltar o objeto (Eloá) que sabia já haver perdido e não se conformava.

Um psicanalista não teria permitido a volta de Nayara ao cativeiro após ter sido liberada, pois teria detectado o perigo que ela corria. O coronel Eduardo Félix (que disse que teria enviado o próprio filho, mas não o fez) justifica tê-lo feito por ela “ter uma cabeça muito boa”. Por que o senhor não chamou um psicanalista e, em vez disso, enviou uma menina de 15 anos para fazer essa função? Nayara disse ao Fantástico que Lindemberg achava que a mãe dela (de Nayara) era a responsável por Eloá tê-lo largado (!). Vários elementos vieram à luz cuja importância não pôde ser captada. Tudo isso são hipótese, dirão os leitores. E têm razão. Mas deve-se tentar na prática as hipóteses advindas do saber sobre o funcionamento psíquico. O psicanalista não é onipotente, sabe do limite. A angústia em mais alto grau é o que gera desarvoramento e conseqüente perda do raciocínio lógico. Eis o que leva, muitas vezes, policiais, assaltantes e seqüestradores a passarem da palavra ao ato. E passam fogo. Eloá está morta. Um psicanalista, por favor!

*Antonio Quinet é psicanalista, membro da Escola de Psicanálise do Campo Lacaniano - EPFCL, autor do livro Psicose e Laço Social (Editora Zahar), professor do Mestrado em Psicanálise, Saúde e Sociedade na Universidade Veiga de Almeida - UVA, diretor da Cia. Inconsciente em Cena.

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