quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Opinião: crises e proteção às populações

Diplomacia e proteção de civis

A proteção de civis desarmados em situações de con­flito é um desafio de ordem moral e diplomática. Ino­centes mortos, feridos ou desa­brigados não podem ser trata­dos como meros "efeitos colate­rais". A questão exige que a co­munidade internacional assu­ma sua responsabilidade coleti­va. A importância crescente do tema levou a presidência de tur­no sul-coreana do Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU) a realizar debate, em nível ministerial, de que partici­pei em 12 de fevereiro.

Como ponto de partida deve­mos ter presente que a preven­ção de conflitos é a melhor for­ma de garantir a proteção de ci­vis. Muito se fala sobre a inaceitabilidade de situações em que governos deixam de proteger suas próprias populações. Hoje existe consenso internacional quanto à necessidade de esfor­ços coordenados para fazer frente a tais circunstâncias.

É necessário reconhecer, po­rém, que a comunidade interna­cional tem sido omissa em rela­ção a questões fundamentais pa­ra a proteção de populações ci­vis, entre as quais sobressaem as seguintes:

A promoção do desenvolvi­mento sustentável, com ênfase na erradicação da pobreza e na segurança alimentar, contribui para promover a paz. A ausên­cia de oportunidades e de pers­pectivas é gênese de conflitos, estimula os radicalismos e en­fraquece a crença nas institui­ções. É lamentável o elevado ní­vel das despesas militares, en­quanto não são atingidas as me­tas de Assistência Oficial ao De­senvolvimento, acordadas em Monterrey em 2002.

Precisamos lutar para redu­zir a disponibilidade dos instru­mentos de violência, em parti­cular as armas de destruição em massa. É imprescindível fa­zer avançar o desarmamento e a não proliferação. A facilidade na obtenção de armas convencionais, particularmente pelo comércio ilícito, multiplica os danos causados por conflitos. As consequências para os civis do uso indiscriminado de novi­dades tecnológicas no comba­te a insurgências ou ao terroris­mo, por sua vez, requerem um debate aprofundado.

Não podemos esquecer a responsabilidade da comunida­de internacional na paralisa­ção do processo de paz Israel- Palestina e o fracasso do Quar­teto em contribuir para um acordo. Medidas unilaterais es­tão exacerbando tensões na re­gião. O CSNU deve atuar decisi­vamente nessa questão. A vul­nerabilidade da população civil nos territórios ocupados repre­senta uma situação de alto ris­co, cuja periculosidade não de­ve ser subestimada.

A paralisia em questões de paz e segurança internacional pode ser considerada o mais preocupante exemplo da estag­nação do sistema de governan­ça mundial. O CSNU, congela­do em configuração de poder anacrônica, é o foro que debate e pode chegar a autorizar o uso da força para a proteção de ci­vis. Um CSNU mais legítimo e representativo disporá de me­lhores condições para imple­mentar medidas preventivas e estratégias diplomáticas que evitem a radicalização e solu­cionem conflitos.

Reconhecemos que em alguns casos a comunidade inter­nacional não poderá prevenir, por meios diplomáticos, confli­tos armados com violações massivas de direitos humanos da população civil. Ainda assim, de­vem-se esgotar todos os meios pacíficos para minimizar o im­pacto sobre civis. O uso da força sempre traz consigo o risco de mortes e disseminação de vio­lência e instabilidades. As inter­venções militares no Afeganis­tão e no Iraque, por exemplo, causaram elevado número de ci­vis mortos (estimativas conser­vadoras calculam aproximada­mente 120 mil mortos de setem­bro de 2001 a setembro de 2012), além de refugiados e des­locados internos (em torno de 1,6 milhão de pessoas somente no Iraque). A África do Norte vive o efeito desestabilizador de ações na Líbia. Essas lições não podem ser ignoradas.

Em situações excepcionais e extremas em que o uso da força venha a ser autorizado pelo Conselho de Segurança para proteger civis, é necessário ga­rantir que a intervenção militar seja criteriosa, proporcional e estritamente limitada aos obje­tivos estabelecidos pelas Na­ções Unidas. Nesse contexto, devemos velar 1) pela inserção da intervenção numa estratégia diplomática de resolução de conflitos - em outras palavras, a intervenção não pode ser um fim em si mesmo; 2) pela gera­ção de um mínimo de violência e instabilidade, evitando criar ainda mais danos para a popula­ção civil; e 3) pela adoção e ob­servância de procedimentos cla­ros de monitoramento e avalia­ção pelo CSNU da maneira co­mo suas resoluções são inter­pretadas e aplicadas.

Prevenção de conflitos e reso­lução pacífica de disputas mini­mizam o sofrimento de civis. Quando a intervenção militar é autorizada e considerada poten­cialmente benéfica, a responsa­bilidade de proteger deve ser acompanhada da responsabili­dade ao proteger. Os esforços multilaterais de proteção de ci­vis devem estar ancorados no respeito aos direitos humanos e no Direito Internacional Hu­manitário, inclusive no contex­to da luta contra o terrorismo.

Nota-se hoje uma crescente utilização da frase "não há solu­ção militar para..." A presiden­ta Dilma Rousseff, em seu discurso no Debate Geral da 67.a Assembleia-Geral da ONU, de­clarou que "não há solução mili­tar para a crise síria". É esta constatação que torna tão ur­gente e necessária uma platafor­ma diplomática para a Síria co­mo a do Grupo de Ação de Gene­bra de 2012. 0 presidente norte- americano, Barack Obama, em seu discurso de posse, em janei­ro passado, afirmou que "segu­rança e paz duradouras não exi­gem guerra perpétua".

Passado o momento unipolar e iniciada a formação de uma ordem multipolar, come­ça a se firmar a convicção de que não há solução militar para a grande maioria dos proble­mas de paz e segurança do mun­do contemporâneo. Devemos encarar essa evolução como uma nova abertura para o multilateralismo e um papel mais re­levante para a diplomacia.

Autor: Antonio de Aguiar Patriota
(ministro das Relações Exteriores)
Artigo publicado no jornal O Estado de São Paulo.

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