O mais perturbador na tragédia em Santa Maria (RS) é a certeza de que ela poderia ter acontecido em qualquer lugar do Brasil. Qualquer pessoa que tenha ido a um show concorrido, a uma festa badalada, a uma estreia de cinema, a uma final de campeonato, tem ao menos alguma noção dos riscos inerentes a locais de grande aglomeração. Não é preciso ser especialista em emergência para perceber os perigos que rondam casas noturnas, estádios, ginásios, centros comerciais, prédios públicos.
Os riscos existem por omissão do Estado e pela falta de uma cultura de prevenção. É comum no Brasil se pegar um ônibus velho e superlotado, recorrer ao transporte de risco — na semana passada, no DF, flagrou-se uma van com 42 passageiros, em desafio não somente à legislação, mas também às leis da física. Nas cidades litorâneas, barcas e ferry boats fazem trajeto com lotação bem acima do permitido, e sem as devidas medidas de emergência, como o acesso rápido a coletes salva-vidas. Em Brasília, nove pessoas a bordo do Imagination morreram porque, entre outros motivos, estavam em uma embarcação que havia sido adulterada para navegar com mais gente.
O martírio dos jovens de Santa Maria se junta ao sofrimento de centenas, milhares de brasileiros que pagaram com a vida o descaso do poder público, a irresponsabilidade de empresários gananciosos, a nossa crônica imprudência, a nossa mania equivocada de que nada de mal ocorrerá, e que o importante é que somos um povo alegre em um país lindo, tropical e abençoado.
Em 2006, o Brasil só acordou para a calamidade do sistema de controle aéreo após um Boeing 737 com mais de 150 passageiros vir abaixo, atingido na asa por outra aeronave que voava à mesma altura. Foram necessários seguidos transtornos nos aeroportos até se estabelecer alguma segurança nos céus brasileiros. Pouco tempo depois, o país entra em choque novamente, ao assistir à explosão de um Air Bus com 200 passageiros que não conseguiu parar na pista de Congonhas. Já se passaram décadas desde o Bateau Mouche, e ainda hoje se assiste a tragédias como a ocorrida no Lago Paranoá recentemente.
A incapacidade do poder constituído se junta à imprudência generalizada, e assim está formado o ambiente que precede a tragédia. No Brasil, não existem fatalidades. A morte busca apenas uma chance para lembrar-nos da nossa culpa.
Autor: Carlos Alexandre.
Artigo publicado no jornal Correio Braziliense.
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