terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Opinião: a SES, o CRIA e a Coordenação de Saúde Mental

O caminho errado
A SES não pode ignorar um século de embasamento teórico e clínico da Psicanálise.

A intenção da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, que propôs a extinção do Centro de Referência da Infância e da Adolescência - CRIA, da Unifesp, argumentando que serviços de base psicanalítica não contam com eficácia comprovada, e consequentemente, que a Instituição “produz pouco”, reúne equívocos técnicos e administrativos.

Sob o ponto de vista científico e conceitual, provavelmente o Dr. Giovanni Guido Cerri, atual Secretário, ignora a afronta que a Secretaria que dirige enviou aos profissionais da Unifesp, ao diminuir os resultados advindos de tratamentos psicanalíticos multidisciplinares, em que a população é atendida por médicos, psicólogos, assistentes sociais e outros profissionais especializados. E inclusive o nosso governador, Geraldo Alckmin, também médico e capacitado para compreender a importância de tratamentos preventivos e com espectro de atuação amplo, talvez desconheça a opinião apresentada pela SES.

É importante lembrar que por uma década o trabalho desenvolvido no CRIA foi, e ainda é, referencia de alto padrão em atendimento na área, no Estado e no Brasil. Entretanto, para se dedicar ao necessário e indispensável tratamento especializado oferecido aos autistas e pacientes com transtornos de personalidade, a Coordenação de Saúde Mental recomendou, e a SES acolheu, a intenção de descontinuar a oferta de tratamento para a população afligida por todos outros transtornos, questionando a contribuição e a comprovada influência que a Psicanálise ofereceu ao campo Saúde Mental, desde o final do século XIX.

Sob o ponto de vista administrativo e governamental, a decisão de extinguir o CRIA está no mesmo patamar equivocado da justificativa grosseira apresentada à Unifesp. Afinal, se as políticas da SES realmente tem o objetivo de “humanizar o atendimento nos serviços da rede pública, promover a sua integração, e atuar em prevenção”, é evidente que descontinuar o atendimento prestado às populações expostas ao sofrimento psíquico, e simplesmente abandoná-las à própria sorte, significa seguir na direção oposta à estratégia divulgada. E a decisão é contrária a princípios econômicos, inclusive. Pois negar atendimento às crianças e jovens com problemas psíquicos, é expor a sociedade em situações mais graves, com soluções mais caras, em médio e longo prazo.

Estou convencido que o Governador e o Secretário da Saúde, não permitirão essa decisão tão errada, sob qualquer ângulo de avaliação. Porém, ao observar o horizonte da Saúde Mental internacionalmente, preocupo-me com a tendência revelada por algumas correntes profissionais, que insistem em sistematizar diagnósticos e tratamentos de quadros psíquicos, a partir da análise mecânica de sintomas.

A intenção de reduzir a importância da escuta humana, e a relação singular entre profissional em Saúde Mental e paciente, em promoção de soluções pré-determinadas, não raro fortemente baseadas em medicalização, transparece em mais esse ataque disfarçado de política administrativa. Mas igualmente óbvia é a percepção comum sobre os setores econômicos e corporações que serão beneficiadas, e quem terminará severamente prejudicado, se os tratamentos psíquicos forem reduzidos a soluções prescritas em manuais e produtos adquiridos em prateleiras.
 
Autor: José Toufic Thomé
Psiquiatra e Psicoterapeuta, Especialista em Traumas e Crises pela Rede Ibero-Americana de EcoBioética / Cátedra UNESCO de Bioética.
Vice-presidente da Secção Psiquiatria em Desastres da Associação Mundial de Psiquiatria - WPA
Vice-presidente da Associação Brasileira de Psicoterapia - ABRAP

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