sexta-feira, 29 de junho de 2012

Senado muda pena de crime sexual no ECA


Explorar sexualmente uma criança ou adolescente pode render mais tempo de prisão do que o previsto atualmente pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). A pena, que hoje vai de 4 a 10 anos, pode passar para o período de 6 a 12 anos, além da multa, de acordo com a proposta de alteração do ECA, aprovada na última quarta-feira na Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal. O texto, que segue agora para a Câmara caso não haja recursos para votação em plenário, também valerá para quem estimular essas práticas pela internet ou incentivar a prostituição infantil.

Com a nova redação, tanto gerentes quanto donos de estabelecimentos onde ocorrerem crimes, por exemplo, estão sujeitos às mesmas penalidades de quem comete o ato. A intenção, de acordo com o autor da proposta, senador Renan Calheiros(PMDB-AL), é proteger a integridade das crianças e adolescentes e incentivar uma cultura de prevenção dessas atividades. "Em breve, o Brasil vai sediar eventos internacionais importantes, a Copa, em 2014, e as Olimpíadas, em 2016, e esse projeto amplia a pena de reclusão para esses crimes", afirmou.

Dados do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) indicaram que, em 2010, cerca de 250 mil crianças se prostituíam no Brasil. Prevendo uma possível redução desse número, em seu voto, o relator do texto, senador Eunício Oliveira (PMDB-CE), destacou que a matéria está de acordo com o Protocolo Facultativo para a Convenção sobre os Direitos da Criança da Organização das Nações Unidas, também assinado pelo Brasil. Ele lembrou ainda que esse tipo de crime é difícil de punir por ser discreto e silencioso.

A expectativa é de que a nova proposta desestimule as pessoas a cometerem o crime. A presidente da Comissão de Infância e Juventude do Instituto Brasileiro de Direito de Família, Tânia da Silva Pereira, considera que qualquer medida que penalize esse tipo de ato é bem-vinda pelo seu caráter preventivo e educativo. "A pessoa vai estar sabendo que não é brincadeira, que existe rigor", afirma.

Vácuo jurídico

Os especialistas, porém, chamam atenção para o fato de que a Lei de Crimes Sexuais, em vigor desde 2009, já prevê penas maiores que a do ECA para esse tipo de crime. "Minha apreensão é de que haja uma incompatibilidade", alerta Tânia. Apesar de ver avanço na questão do enquadramento de quem estimula o crime pela internet, o advogado criminalista Bruno Rodrigues ressalta que o Código Penal já prevê pena de 8 a 12 anos para quem explora sexualmente menores de 18 anos. "Ficou um vácuo entre quem pratica e quem estimula, pois essa proposta prevê um mínimo de 6 anos para a pessoa que incentivar, que pode ser um coautor, e a outra legislação tem a pena mínima de 8 anos", alerta. Na opinião do especialista, o legislativo, muitas vezes, segue uma tendência de querer tipificar algo que já é tipificado.

Se aprovada, a lei estabelecerá ainda um novo dispositivo na Política Nacional de Turismo, exigindo a inclusão explícita de um tratamento especial a crianças e adolescentes. O texto atual do plano de turismo fala em "prevenir e combater as atividades turísticas relacionadas aos abusos de natureza sexual", sem destaque a praticada contra crianças e adolescentes.

Pedido

Embora tenha sido aprovado por unanimidade no Senado, o texto corre o risco de ficar parado na Câmara dos Deputados, segundo o senador Renan Calheiros (PMDB-AL). Para ele, os deputados não colocam logo os textos que chegam do Senado para tramitar. Ele aproveitou o ensejo para chamar atenção do governo federal pedindo que a presidente Dilma Rousseff transforme o projeto em política pública e solicitou mudanças em relação ao processo de tramitação dos projetos nas duas Casas.

Palavra de especialista

Cerco aos delitos virtuais

O mais relevante dessa proposta de alteração do Estatuto da Criança e do Adolescente é a parte que inclui o tipo penal para quem submete o menor a prostituição sexual pela internet. As palavras facilitar e estimular que constam no texto são muito amplas. Alguém pode facilitar enviando e-mail, assim ela também está estimulando. Ela pode estimular via link do Facebook, via Twitter dizendo "gente, entre nesta página" e, se nessa página tiver algum conteúdo, como pornografia infantil, essa pessoa também pode ser punida. Esse avanço parece ser muito interessante.

Atualmente, diversos crimes praticados pela internet não são punidos por faltar uma legislação que dê conta de acompanhar as mudanças de comportamento da sociedade. Nem sempre a Justiça consegue seguir a evolução da tecnologia. Todo dia tem uma tecnologia nova, um aparelho novo, uma nova rede social. Por isso, esse ponto é importante.

A alteração da pena, no entanto, perde espaço a partir do momento em que ela já está prevista em outra lei. O artigo 213 do Código Penal é inclusive mais forte, mais enfático e está em vigor. Quem explora ou estupra um menor de 18 anos, hoje, já tem a pena mínima fixada de 8 a 12 anos de reclusão, mais multa.

Bruno Rodrigues, advogado criminalista

Memória

Enquanto o Legislativo trabalha para dar mais rigor à pena do crime de exploração sexual de crianças, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) publicou uma decisão em 27 de março flexibilizando o entendimento de estupro envolvendo menores de 14 anos. Ao analisar o caso em que um réu era acusado de ter estuprado três menores de 12 anos, a Terceira Seção da Corte inocentou o acusado com o argumento de que as crianças "já se dedicavam à prática de atividades sexuais de longa data". Na época, a ministra da Secretaria de Direitos Humanos, Maria do Rosário, afirmou que a sentença relativizou o direito da criança e a julgou no lugar do réu. Em seguida, o STJ negou que estava institucionalizando a prostituição infantil e alegou que apenas tratou da possível hipótese de que a prática de sexo com menores de 14 anos possa não ser estupro.

Publicado no jornal Correio Braziliense.

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