quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Opinião - Editorial.

Resistência digital à corrupção

No vácuo do crescimento veloz, e em aceleração, do uso da rede mundial de computadores por meio de equipamentos cada vez mais baratos e acessíveis à população no mundo inteiro, surgem vários exemplos de utilização da internet em protestos contra desmandos de governos e regimes.

É verdade que estes mesmos mecanismos de disseminação fácil e rápida de informações e opiniões também estão disponíveis a déspotas e grupos antidemocráticos. Outro fato é que a ditadura teocrática do Irã, por exemplo, desfechou repressão cruel contra oposicionistas após rastreá-los e identificá-los na internet. Porém, para cada história como esta há vários casos no sentido oposto, em que a malha digital de tráfego de textos, som e imagem existente em torno da Terra tem sido utilizada contra interesses de poderosos. Neste sentido, a Primavera Árabe é o grande destaque no momento, com tweeters, redes sociais, e-mails sendo acionados para abrir no meio de ditaduras uma clareira democrática, uma espécie de praça republicana ("Ágora") para permitir a livre expressão e a organização de protestos à margem de controles de estados repressores.

O Brasil contribui para esta nova era de mobilização espontânea de cidadãos com protestos públicos contra a corrupção encastelada em Brasília pelo método fisiológico de constituição de governos utilizado pelo lulopetismo. Por não interessar a grupos tradicionalmente mobilizadores de multidões, como sindicatos e organizações estudantis (UNE), beneficiados financeiramente pelo apoio ao lulopetismo, a denúncia da corrupção ficou relegada à pauta da imprensa independente e profissional - como em qualquer democracia no mundo -, e políticos oposicionistas. Manifestações organizadas por meio da internet em várias cidades, entre as quais se destaca a passeata de cerca de 20 mil pessoas realizada recentemente em Brasília, reforçam a sensação de que algo se move no subsolo da vida pública brasileira. O caminho da crescente troca de informações e opiniões entre as pessoas, em linha direta, parece ser sem volta, num grito de independência em relação a máquinas políticas, partidárias e sindicais.

Em congresso realizado semana passada em Viena pela associação mundial dos jornais e editores (WAN/Ifra), Luca De Biase, editor do jornal italiano "Il Sole 24 Ore", relatou como italianos usaram as redes sociais para se contrapor ao boicote decretado pela emissora de TV de Silvio Berlusconi a um plebiscito recente sobre a possibilidade de a Justiça processar ou não o primeiro-ministro, ele próprio. Para que a consulta não atingisse o quórum mínimo (50% mais um voto), houve o boicote televisivo. Mas uma intensa mobilização pelas redes sociais, potencializada pela cobertura da mídia impressa independente, derrotou a operação. O comparecimento às urnas chegou a 55% do eleitorado. Outra má notícia vinda de Viena para corruptos e similares é que a venda de aparelhos móveis - telefones, tablets, etc - já superou a de computadores. Haverá cada vez mais cidadãos em assembleia permanente.

O tema precisa levar os políticos à reflexão. Sintomático que, no Brasil, estejam alijados dessas manifestações os políticos profissionais, devido à péssima imagem deles, construída a cada ato de nepotismo, compadrio, de desvio de dinheiro público. Não faz bem para a democracia este alijamento. Mas cabe a eles resgatar o exercício da política lastreada na ética.

Editorial publicado no jornal O Globo.

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