Onde a coisa pega
Tanto quanto a crise externa, inépcia da gestão pública é o grande desafio, e Dilma está ciente.
Se a substituição do ministro do Esporte, Orlando Silva, pode ser a oportunidade de o PCdoB tentar refazer a imagem abalada pelas denúncias de se locupletar com repasses de dinheiros públicos para organizações não governamentais (ONGs) que orbitam o partido, para o governo Dilma Rousseff o desafio é muitas vezes maior.
A suspeita de corrupção não é ameaça direta ao governo, ainda que renda artigos críticos na imprensa e manifestações desaforadas da oposição. O problema para a presidente é constatar as deficiências de seu ministério. Se ele mal consegue gerir sem polêmicas o arroz com feijão do gasto corrente de suas atividades, o que esperar dos programas com alguma complexidade, como, no caso do Ministério do Esporte, o leque de obras para a Copa do Mundo e as Olimpíadas.
Até hoje os flagrantes de perversões já atingem cinco ministérios e outros tantos órgãos públicos e empresas estatais, expressando a falta de compromisso de seus dirigentes, muitos deles nomeados por interesse de partidos e grupos aliados por tais circunstâncias ao governo. À falta de projeto aglutinador da coalizão no poder, tais indicados se julgam devedores apenas de quem os indicou, o tal do QI, prestando-se prioritariamente a arrumar meios de atendê-los.
Isso já tipifica uma transgressão, embora considerada normal pela maioria dos caciques políticos, e se agrava quando os ocupantes de cargos com acesso a verbas fiscais as usam em proveito próprio — o que tem se tornado corriqueiro e é difícil de reprimir, já que um ambiente degradado tende a corromper a ordem e bagunçar a gestão.
Diante dessas exigências da administração do fluxo cotidiano das funções do governo, do planejamento dos investimentos de interesse nacional e dos problemas sempre difíceis da política econômica, os exemplos de malversação do dinheiro público, por maiores que sejam os valores desviados e a habitualidade, são o menor dos problemas.
De atentados à honestidade nenhum governo é imune. Nem as sólidas democracias escandinavas. São raros, mas não incomuns. Mas, exceto em situações de cleptocracia disseminada, a corrupção eventual não aliena o futuro de nenhum país. Já os equívocos rotineiros, ainda que pequenos, e a administração inepta estão para a economia como os hábitos não saudáveis praticados ao longo da vida: o organismo se enfraquece aos poucos e os custos são cada vez maiores.
Estruturas redundantes
No atacado, constatam-se custos, por exemplo, quando são criadas estruturas redundantes, como a Empresa de Pesquisa Energética, um órgão de estudos que em outros tempos eram feitos pelo Ministério de Minas e Energia ou mesmo pela estatal Eletrobras. O ministério é minguado e negociado com algum partido, ficando a nova estrutura resguardada de influências políticas. Convenhamos, é disfuncional.
Mais ainda a rede de agências regulatórias criadas no governo FHC para gerir os interesses públicos dos setores privatizados e que, numa piscada, proliferaram como capim. O governo Lula entendia, no início, que elas esvaziavam os ministérios. O que fez? Devolveu às pastas o poder político, mas as manteve, incluindo-as no bolo das composições com os partidos. Resultado: onde antes havia uma pasta cuidando de tudo, hoje há ela, a agência e mais a estatal da área.
Emaranhado de absurdos
Não é à toa que projetos não andam e, quando saem do papel, não é suficientemente clara a responsabilidade de ninguém, em resumo, do governo, pois há várias cabeças subordinadas a muitos interesses. Nem com superpoderes se controla esse emaranhado.
As coisas levam a absurdos, como a construção de hidrelétrica sem reservatório, o caso das usinas do Rio Madeira e de Belo Monte, de ineficiência energética flagrante, atendendo leis ambientais que o governo propôs e aplica — e ainda assim tais projetos elaborados a mando do governo suscitam contestações. É conforme o ditado: todo mundo grita e ninguém tem razão. Só que, no caso, não falta pão.
Qualificados pelo dedo
A presidente tem ciência dessas inépcias ou não teria formado uma comissão para propor ações para modernizar o governo. O difícil é esperar grandes avanços com ministros sem outra qualificação que o dedo indicador de alguém da base de apoio ao governo no Congresso.
Não só. Desde o fim dos governos militares, os governos perdem os quadros mais preparados e há muitos anos deixaram de prepará-los, inclusive com formação em universidades de ponta no exterior. Tais práticas fazem diferença, e quem sempre a fez, como Banco Central, Petrobras e BNDES na atual gestão, não por acaso são os centros de excelência do setor público. Dilma sabe. Mas precisa também fazer.
A inépcia é contagiosa
A melhoria da gestão pública se faz urgente, até para diminuir a carga dos poucos que entregam o que a presidente lhes pede, além dela mesma, e os riscos do voluntarismo — sequela de ambientes sob tensão. A inépcia pode ser contagiosa. Por duas vezes em 90 dias, por exemplo, áreas do governo acharam que têm asas. Voaram quando impuseram a vigência imediata do novo IPI sobre carros importados.
O Supremo Tribunal Federal fez valer o prazo de 90 dias entre a decisão e o inicio de vigência. Voltaram a voar quando a Receita quis enfiar na medida provisória que desonera tributos nos termos da política industrial mudanças que levariam ao oposto. O governo recuou temendo uma derrota no Congresso. São as asas da soberba.
Autor: Antônio Machado
Publicado no jornal Correio Braziliense.
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