Perigos globais
Economia volta a baquear no mundo, a dívida se agrava na Europa e nos EUA, e se teme pela China
Ao largo do caudaloso oceano de incertezas sobre a travessia da economia global, ainda perigosa mais de três anos depois de os EUA entrarem em recessão, cabe refletir sobre o que ocorreu em seguida à ameaça de depressão pela trombada de Wall Street em setembro de 2008. A rigor, só se adiou o seu desfecho, pois quase nada mudou.
O colapso financeiro foi anestesiado com a encampação de dívida privada pelos Tesouros nacionais, e a aparência de normalidade dos mercados foi sustentada pelo bombeamento de liquidez pelos bancos centrais. A insolvência bancária se transformou, virtualmente, em insolvência pública dos EUA, da Europa e do Japão. E a crise mudou de lado do balanço, mas jamais acabou. Continua aí assombrando.
Estimativas das firmas de riscos consideram que os bancos dos EUA ainda carregam cerca de US$ 2 trilhões de papéis tóxicos, enquanto na Europa a banca da Alemanha, França, Holanda e Inglaterra, entre as maiores, carregam outro tanto. E alguns ainda estão com relação de alavancagem acima de 30 vezes o patrimônio. É o que faz o Banco Central Europeu (BCE) temer a renegociação da dívida da Grécia — a única solução viável para o país, segundo a maioria dos analistas.
Se a Grécia tombar, arrastará as outras economias fragilizadas da União Europeia, e poderá estar para o euro e o sistema bancário da Europa como a quebra do Lehman Brothers esteve para Wall Street e os EUA: foi o estopim da crise inacabada. O drama europeu é que boa parte da dívida da região continua engasgada em seus bancos.
É essa a causa da incerteza que varre o mundo, e os mercados de ações e de commodities em alta aqui e ali, especialmente nos EUA, estão como os cabarés de Paris e Berlim, lotados à véspera da Segunda Guerra. Se a guerra era inevitável, só o presente importava. Como agora, com a recidiva da desconfiança sobre a retomada nos EUA.
A pachorra da economia americana deixa o mundo com poucas opções. Boa parte dos países está pendurada na China — disparada, a maior produtora e exportadora global de bens industriais, além de maior importadora de alimentos e de matérias-primas, o que a põe como o cliente número 1 do Brasil. Quanto à Europa, a expectativa é que sua crise se limite aos problemas da Grécia, da Irlanda e de Portugal.
Desgraças e enigmas
Logo atrás desse trio estão Espanha e Itália, economias gigantes também engasgadas com dívidas e deficits, cujo tombo poderia gerar abalos no mundo equivalentes aos do terremoto, tsunami e desastre nuclear no Japão. É muita desdita. E há também o enigma da China.
O produto chinês cresce a 10% ao ano há duas décadas, mas com uma estrutura de economia planificada muito pouco transparente. Sabe-se que enfrenta inflação e bolha imobiliária, razão pela qual seu crescimento será menor este ano, em torno de 9%, ainda muito alto.
Não se sabe a situação de seus bancos, estatais a maioria, como a maior parte de seus clientes, mais a suspeita de que haja uma rede informal de crédito que seria a metade da oficial, segundo informa o economista Michael Pettis, professor da Universidade de Pequim.
Nada está resolvido
O pano de fundo das incertezas é o fato, mais que suposição, de que os problemas do endividamento da banca assumido pelos governos não estão equacionados. Na Europa, pelo agravante de que a moeda comum convive com autonomia fiscal de cada país, gerando diversos níveis de risco e custo de endividamento. Passa de 17% ao ano para a Grécia e é de 3% para a Alemanha, piso referencial para os demais países.
Nos EUA, devido ao tamanho, da ordem de 100% do PIB, e a repulsa da oposição republicana, majoritária na Câmara, a autorizar que o seu teto seja ampliado sem que o governo Barack Obama concorde com uma política profunda de corte de gastos. Até aí há acordo, mas os republicanos também querem cortar impostos. O impasse pode levar o país a entrar tecnicamente em inadimplência. Improvável, mas houve precedente no governo de Bill Clinton, rapidamente contornado.
Brasil e a mixórdia
A economia brasileira, comparada a essa mixórdia, está muito bem. O ruim é que a globalização unificou economias e mercados. Não há como se proteger 100%, só mitigar os danos, como em 2009, quando o governo soube abrandar o choque da recessão importada. E se houver outra rebordosa global? Depende do epicentro. Se estiver na China, as commodities sofrerão um coice, ruindo o já baixo superavit de nossa balança comercial, totalmente dependente das exportações de alimentos e minérios. Alta de juros nos EUA ou pane do euro também preocupa: a dívida externa privada cresceu 42,4% entre janeiro de 2009 e abril de 2011. Há riscos. Mas está assim em todo o mundo.
Engano dos impérios
Hoje, há poucas certezas no mundo, muita desinformação quanto ao que aconteceu, o reconhecimento de que os governantes são menores que o desafio, e ondas alternadas de euforia e pessimismo, como o caso agora nos EUA. A economia segue fraca, mas não mais do que um ano atrás. O noticiário não distingue o pânico da vez nos mercados — normalmente sujeitos a estresses extremos —, dos movimentos mais lentos da economia real. No Brasil dos tempos de ajuste das contas fiscais, por exemplo, a sensação era de que estávamos num beco sem saída. Olhando-se para trás, constata-se que doeu, e que não havia outro jeito. Com os EUA e a Europa será igual. Foi-se o tempo em que os impérios mandavam a conta de suas mazelas para as colônias.
Autor: Antônio Machado
Fonte: Jornal Correio Braziliense.
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