A violência que invadiu o bairro de Realengo pode deixar cicatrizes profundas. Aos adolescentes e funcionários que sobreviveram à chacina dos 12 alunos da Escola Municipal Tasso da Silveira, resta esperar que o tempo cure o trauma. Crises de insônia, irritabilidade, taquicardia, isolamento da realidade e reclusão social, por exemplo, são reações normais e esperadas nos primeiros dois meses após o acontecido. É a maneira que o cérebro encontra de processar a situação extrema pela qual passou.
Segundo psiquiatras ouvidos pelo site de VEJA, nos dois primeiros meses sofre-se muito com algo similar à fase de luto. É nesse período que a pessoa assimila o fato vivenciado, para melhor entendê-lo e, assim, poder se recuperar de maneira plena. “O trauma agudo é esperado em situações como essa. É normal que o a pessoa reaja, chorando muito, tendo pesadelos, dificuldade para comer ou mesmo se retraindo”, afirma Dirce Perissinotti, psiquiatra e integrante do Programa de Atendimento às Vítimas de Violência e Stress da Universidade Federal Paulista (Unifesp).
O cérebro humano, apesar da gravidade do episódio, é capaz de lidar com esse tipo de situação e reerguer-se sozinho. Por isso, os psiquiatras avisam: não adianta forçar o início de uma terapia ou de conversas sobre o assunto. A melhor ajuda é ser solidário e estar presente. “É importante que esses jovens sejam observados, que eles tenham um acompanhamento de pais e professores para que seja monitorado o desenrolar da recuperação”, diz Antonio Geraldo da Silva, presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria.
Se depois desses 60 dias, no entanto, os sintomas perdurarem, pode ser sinal de algo mais grave. Em muitos casos, pode indicar a presença de um problema que ganhou notoriedade em veteranos da Guerra do Vietnã e sobreviventes do Holocausto: o transtorno de estresse pós-traumático (TEPT). Problema característico de quando se vivencia um trauma muito grande, o TEPT possui características bastante definidas. É comum, por exemplo, casos de flashbacks recorrentes, nos quais a pessoa revive de maneira extrema o fato que presenciou; medos persistentes e incapacitadores de que o ocorrido venha a se repetir; e uma constância de sonhos e pesadelos. “Estima-se que cerca de 10% dos envolvidos evoluam para o transtorno de estresse pós-traumático. Uma vez que a doença esteja estabelecida e diagnosticada, não há cura”, diz Marcio Bernik, coordenador do Ambulatório de Ansiedade do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo.
Mas Frank Ochberg, psiquiatra e consultor do FBI (polícia federal americana), vai além. Segundo o médico, o desenrolar para o TEPT tem raízes mais profundas na formação pessoal e na genética de cada um. “Algumas crianças vêm de lares agressivos ou sofrem bullying, por exemplo. Tudo isso vai se somar à maneira como ela deve lidar com o que aconteceu”, diz o especialista, que coordenou as ações da escola de Columbine, nos Estados Unidos, após o massacre de 1999, em que 13 pessoas foram mortas e outras 25, feridas. Segundo ele, é preciso prestar atenção a adolescentes que já têm uma tendência a problemas psicológicos. Alguns, diz ele, já começam a manifestar nessa idade problemas de saúde mental, como esquizofrenia, psicoses maníaco-depressivas e transtornos bipolares. “Ao lado desses fatores, o que aconteceu na escola pode ganhar proporções enormes na vida da pessoa’, diz.
Volta às aulas – O retorno às atividade corriqueiras, incluído as aulas diárias na escola, é fundamental para a recuperação das pessoas que sobreviveram à tragédia. “É de extrema importância que a escola esteja preparada para receber os alunos de volta. Ela precisa viver o luto, talvez com uma missa, com simbolismos ou mesmo com momentos de silêncio em homenagem aos mortos e aos sobreviventes. Mas se o aluno demorar para voltar para a escola, talvez ele não volte nunca mais”, diz Bernik.
E, uma vez que a rotina esteja retomada, o melhor a fazer é dar espaço e tempo para que cada um se recupere no seu ritmo. “Não provoque conversa, não force ninguém a falar. Isso pode só piorar. O mais importante é mostrar apoio, solidariedade, deixar claro que a pessoa não está sozinha, que ela tem pares. Isso vale para a escola, para a sociedade e para a família”, diz Dirce Perissinotti.
A escola, ao lado da família, detém um papel fundamental no período de recuperação dos envolvidos. Segundo Frank Orchberg, a grande lição que os Estados Unidos tiraram do massacre de Columbine recai sobre o diálogo – ou a falta dele. E isso significa que a lacuna entre as duas gerações deve ser vencida, para que alunos, professores, terapeutas, administradores e seguranças escolares possam conversar entre si e, enfim, se conhecer. “É o jovem quem sabe efetivamente o que está acontecendo, quem sabe identificar qual o aluno que de fato pode representar um problema”, diz Orchberg. Para o especialista, é o diálogo contínuo, seja ele formal ou informal, que pode evitar que novas tragédias voltem a acontecer – nos Estados Unidos, no Brasil ou em qualquer outra cultura.
Fonte: Revista Veja.
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