Não restam mais dúvidas de que a DDAH é real: exames deixam claro sua relação com a baixa atividade em determinadas regiões do cérebro.
Até 2002, um grupo internacional de respeitados neurocientistas achava necessário publicar um relato argumentando intensamente que o transtorno do déficit de atenção com hiperatividade (TDAH) era uma doença real. Em face de evidências científicas “devastadoras”, eles reclamavam, o TDAH era comumente retratado pela mídia como "um mito, uma fraude ou uma condição benigna" – uma consequência de professores rígidos demais, talvez, ou do excesso de televisão.
Nos últimos anos, tem sido mais raro ouvir alguma dúvida de que o problema realmente existe, e as evidências explicando sua rede neural e sua genética vêm se tornando mais convincentes e complexas.
Mesmo assim, ultimamente foram publicados alguns artigos e ensaios que usam a atenção (ou a falta de) como um indicador e uma metáfora de algo mais amplo na sociedade: as distrações eletrônicas, o conceito de multitarefa, a ideia de que a natureza da concentração pode estar mudando, de que as pessoas se sentem sobrecarregadas, distraídas, irritáveis.
Mas o TDAH não é uma metáfora. A doença não é a inquietude e a indisciplina que acontecem quando os alunos ginasiais são privados de intervalos, ou a distração dos adolescentes na era do smartphone. Ela também não é a razão pela qual seus colegas baixam e-mails durante reuniões e até mesmo em meio a conversas.
"A atenção é uma fenômeno cognitivo realmente complexo, com muitas peças dentro dela", afirma o Dr. David K. Urion, de Harvard, que dirige o programa de deficiências e neurologia comportamental no Hospital Infantil de Boston. "Quando falando de crianças com déficit de atenção, o problema reside na atenção seletiva quando comparado a seus pares em idade e sexo – o que você absorve e o que você ignora?"
Além disso, o distúrbio ocorre ao longo de um amplo espectro, de leve a extremo. Meninos são mais propensos a serem hiperativos e impulsivos, meninas a serem desatentas (um motivo para muitas meninas não serem oficialmente diagnosticadas é que aquelas com o jeito desatento podem ser bem comportadas na escola, mas ainda assim, incapazes de se concentrar).
Padrão consistente — “Ainda há muito que não sabemos”, disse Bruce F. Pennington, professor de psicologia na Universidade de Denver e especialista na genética e na neuropsicologia dos distúrbios de atenção. "Mas sabemos o bastante para dizer que se trata de um problema baseado no cérebro, e temos alguma ideia sobre quais circuitos e genes estão envolvidos".
Estudos de imagens cerebrais em pessoas com déficit de atenção mostraram um padrão consistente de atividade abaixo do normal nos lóbulos frontais, onde fica a chamada função executora. E cientistas estão focando nos caminhos para a dopamina e neurotransmissores similares ativos nos circuitos que passam informações de entrada e saída aos lóbulos frontais.
Níveis de atividade em circuitos específicos podem ajudar a explicar o aparente paradoxo de usar estimulantes, como o Ritalina, para tratar crianças que já parecem superestimuladas. Em muitas crianças com TDAH, esses medicamentos podem ajudar os circuitos a funcionar mais normalmente. "Se você tem déficit de dopamina, é mais difícil se concentrar em comportamentos orientados por objetivos", explicou Pennington. "Os psicoestimulantes alteram a disponibilidade de dopamina nesses mesmos circuitos".
Fator genético — Embora pesquisas recentes tenham identificado fatores ambientais que podem elevar a probabilidade de desenvolvimento da doença, estima-se que seu componente genético seja mais forte. O Dr. Maximilian Muenke, diretor do braço de genética médica no Instituto Nacional de Pesquisa do Genoma Humano, disse que em gêmeos idênticos, se um deles tiver TDAH, a probabilidade de o segundo também ter é de 80 por cento (entre gêmeos não-idênticos, o número cai para 20 a 30 por cento, o mesmo de irmãos no geral).
No mês passado, a equipe de Muenke publicou um artigo identificando um gene, chamado LPHN3, associado tanto à doença quanto a uma reação favorável a estimulantes. Mas ninguém acha que apenas um gene é o responsável; assim como a atenção é um fenômeno complexo, a genética dos déficits de atenção também é.
Remédios personalizados — Muenke é cauteloso ao afirmar se os estudos da genética poderiam, algum dia, desempenhar algum papel no tratamento da doença. Ele falou de eventualmente prever quais crianças responderão a remédios específicos, poupando as famílias da frustração de trocar de medicamentos diversas vezes sem nenhum alívio. Ele pareceu mais otimista ao falar das probabilidades a longo prazo.
"Acredito realmente que, com o tempo, seremos capazes de desenvolver remédios personalizados para uma criança com TDAH", afirmou ele, acrescentando que, quando as causas principais são conhecidas, "essa criança terá um tratamento muito específico, seja ele apenas comportamental ou envolvendo medicação" – e essa medicação será feita sob medida para a criança.
Casos antigos — Talvez ávido por deixar claro que o TDAH é muito mais que uma metáfora para as distrações da vida moderna, os cientistas adoram citar exemplos muito mais antigos que a própria criação do termo.
Urion evocou Sir George Frederick Still, o primeiro professor britânico de medicina pediátrica, que descreveu a síndrome precisamente em 1902, falando de um garoto que era "incapaz de manter sua atenção, até mesmo num jogo, por mais que um período muito curto de tempo" – e que por isso estava "atrasado nas atividades escolares, mesmo parecendo completamente normal em seus modos e conversas".
Muenke citou Der Struwwelpeter (Pedro Descuidado, em tradução livre), livro infantil escrito por Heinrich Hoffmann em 1845 que traz a história de Zappel-Philipp, ou Felipe Inquieto (uma tradução ao inglês foi feita por Mark Twain, o grande cronista dos garotos).
As circunstâncias da vida moderna podem gerar a falsa ideia de que uma cultura repleta de eletrônicos e deveres amontoados cria o distúrbio. "As pessoas pensam que vivemos num mundo que causa TDAH", disse Urion. É claro que ninguém deveria dirigir e trocar mensagens de texto ao mesmo tempo, continuou ele, mas para "um marinheiro portuário que conduz um enorme navio ao porto de Boston, prestar atenção já era uma boa ideia, mesmo naquela época".
Fonte: Veja
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