quinta-feira, 11 de março de 2010

O estresse não escolhe a vítima

O estresse pode ser considerado um conjunto de reações adversas do organismo que ocorrem quando a pessoa necessita adaptar-se a alguma situação, podendo ter efeitos positivos, como de motivação, ou negativos, quando as pressões ou demandas são excessivas e o indivíduo não consegue gerenciá-las.

Ter provas no colégio, discutir com os amigos, obedecer às ordens dos pais e enfrentar a morte de algum familiar são alguns dos eventos mais frequentes causadores de estresse em crianças e adolescentes, segundo um estudo realizado pelo grupo de pesquisa Cognição, Emoção e Comportamento, da Faculdade de Psicologia. O excesso de atividades e a pressão precoce por um bom desempenho em todas elas também podem ser citados. Foi investigada a associação entre eventos estressores, sintomas de estresse e desempenho escolar em uma amostra de 220 adolescentes de uma escola da rede pública de Porto Alegre. Constatou-se que 8,6% apresentavam o distúrbio. "Nenhum outro transtorno mental tem essa prevalência. Esse índice é muito alto se comparado a outros transtornos da adolescência", ressalta a mestre em Psicologia Fernanda Busnello. Estima-se que a conhecida hiperatividade infantil, por exemplo, atinge cerca de 5% da população i nfanto-juvenil.

As meninas que participaram da pesquisa estavam mais estressadas que os meninos. Alunos reprovados também apresentaram escores altos e índices mais elevados em todos os sintomas, principalmente no grupo das Reações Psicológicas com Componente Depressivo. Além da relação direta com o baixo desempenho escolar, sintomas físicos podem ser observados, como dor de cabeça, dificuldade para dormir e para se concentrar. Em longo prazo a memória também pode ser afetada.

Os eventos estressores e as reações podem ser diferentes entre as pessoas. Os resultados demonstram que as estratégias de enfrentamento mais utilizadas pelos alunos são as de autocontrole, afastamento, fuga e esquiva. Dentre os que apresentavam mais sintomas de estresse, além das estratégias citadas, também se utilizaram de confronto e suporte social de familiares, amigos e professores, entre outros. Na opinião de Fernanda é necessário que as famílias e as escolas desenvolvam medidas de prevenção. "Às vezes há ausência dos pais no processo educacional, eles têm de participar ativamente, acompanhar de perto o seu filho", observa. "Muitas coisas poderiam ser ensinadas nos colégios, como o treino da resolução de problemas e de habilidades sociais, utilizando ferramentas lúdicas adequadas à linguagem infantil", sugere.

Essa pesquisa faz parte também do recém criado Núcleo de Estudos e Pesquisa em Trauma e Estresse (Nepte), vinculado à Faculdade de Psicologia da PUCRS. O Núcleo agora formaliza uma parceria feita há algum tempo informalmente entre os grupos dos professores Rodrigo Grassi, Christian Kristensen (Psicologia) e Moisés Bauer (Instituto de Pesquisas Biomédicas - IPB), unindo esforços para buscar resultados sob variados pontos de vista.

O grupo de Neurociência Cognitiva do Desenvolvimento, coordenado pelo professor Rodrigo Grassi, desenvolve várias pesquisas sobre o tema. Uma delas prevê a análise genética do BDNF (responsável pelo crescimento neuronal) e cortisol (hormônio do estresse) em crianças com idade escolar acompanhadas desde o nascimento pela equipe da médica Olga Falceto (Hospital de Clínicas). Há também a parceria com o Hospital Conceição e com a professora Jerusa Salles, da UFRGS. O objetivo é avaliar a associação entre cuidado materno, BDNF, estresse e desenvolvimento cognitivo.

Os pequenos atualmente têm oito anos e passaram por quatro avaliações ao longo da vida. As amostras de DNA e cortisol foram feitas, mas ainda passam pelo processo de análise. Também foram testados do ponto de vista neuropsicológico, para avaliar principalmente o impacto do desmame precoce, e há vários vídeos feitos de situações dos pais com as crianças ao longo dos anos. "Os vídeos darão maior confiabilidade aos dados, muito mais do que se fossem entrevistados um dia sobre sua infância", observa o professor Grassi.

Dentre os resultados iniciais percebe-se que nas famílias em que houve alteração na estrutura (devido à psicopatologia dos pais) ou pobre vínculo paternal, há mais chances de as crianças apresentarem problemas de alteração comportamental e maior prejuízo da parte cognitiva.

Com os dados que serão avaliados será possível perceber se há relação entre a negligência de afeto, social e física com a maneira com que lidam com o estresse. Uma das hipóteses é a de que o desmame antes dos três meses pode provocar algum prejuízo na cognição das crianças. "Verificaremos se isso está relacionado diretamente ao leite materno em si ou ao vínculo com a mãe, o comportamento de maternagem do qual são privados", conta. "Mesmo que seja comprovado que o fator nutricional é menos impactante, é importante, como política pública, estimular a amamentação, não pelo leite, mas por todo o cuidado que envolve", observa o professor.

Um estudo desenvolvido pelo Laboratório de Imunologia do Estresse do IPB, em parceria com a Faculdade de Psicologia, comprovou que o estado de saúde preservado protege os idosos dos efeitos do estresse sobre o organismo, criando barreiras psicológicas. Coordenado pelo professor Moisés Bauer, o trabalho comparou resultados de idosos saudáveis cuidadores de pacientes com Alzheimer e de alguns cuidadores de pacientes com outro tipo de demência com os de idosos saudáveis não cuidadores. Os cuidadores foram escolhidos por enfrentarem diariamente situações estressoras, convivendo com um parente próximo, geralmente cônjuge, numa situação muitas vezes descrita como de luto em vida, pois vê a pessoa perder aos poucos funções corriqueiras.

Segundo o professor Bauer a hipótese inicial de que os cuidadores saudáveis reagiriam melhor ao estresse foi comprovada. Apesar de se mostrarem mais ansiosos e depressivos que o outro grupo, os cuidadores apresentaram níveis mais baixos de cortisol, hormônio ligado ao estresse. Também foi detectada a proliferação de linfócitos, peças centrais na resposta imunológica, ou seja, por estarem clinicamente saudáveis reagiram bem. A parte ruim foi a descoberta da diminuição do sulfato de DHEA nos cuidadores, utilizado como marcador biológico do envelhecimento. Em níveis baixos pode representar maior incidência de algumas doenças, como cardiovasculares e tumores. Em relação ao grupo de não cuidadores a diferença foi pequena Uma das autoras do projeto, a professora Cristina Jeckel, da Faculdade de Farmácia, observa a importância de se dar atenção também à saúde dos cuidadores. "Quem tem o apoio social da família, amigos, grupos, igreja, tem mais suporte emocional para levar adiante. É preciso cuidar de si mesmo, manter-se saudável para conseguir manter o padrão mesmo sob estresse. Nunca sabemos quando vamos cuidar do próximo", observa. Um artigo sobre o tema foi publicado recentemente no periódico NeuroImmunoModulation.

Conheça alguns dos sintomas do estresse (para ter certeza é indicada a consulta com um profissional de saúde):

Dificuldade de concentração
Lapsos de memória
Pensamento negativo
Falta de motivação
Irritabilidade
Baixa autoestima
Frustração
Perda ou ganho de peso
Dores musculares
Cansaço
Insônia ou pouca qualidade no sono
Problemas de relacionamento
Queda de desempenho no trabalho
Problemas sexuais
Mudanças na menstruação

Fonte: Isma-U

Estatísticas preocupantes

Pesquisa realizada pela International Stress Management Association (Isma-BR), em Porto Alegre, entre outubro de 2008 e abril de 2009, com 724 pessoas: 55% apresentavam nível de estresse entre regular e preocupante. O trabalho é a maior fonte de estresse (61%). A falta de tempo (71%), a violência (67%) e os relacionamentos interpessoais (62%) são as principais causas de estresse.

O tecnoestresse também aparece, com 32% dos casos. 81% apresentavam como sintomas dores musculares, incluindo dor de cabeça. Dentre as maneiras utilizadas para lidar com estresse foram mencionadas o consumo de bebidas alcoólicas (53%) e a conversa, socialização (48%). 53% utilizam algum tipo de medicamento para relaxar. A maioria (59%) aceita responsabilidades mesmo quando está sobrecarregada. 64% não apresentam peso proporcional à altura.

Adultos despreparados para lidar com o mal
Nos adultos uma das maiores fontes de estresse é a vida profissional, podendo ser provocado por fatores internos e/ou externos, como relata a professora Dulce Hatzenberger, coordenadora do Departamento de Psicologia do Trabalho da Faculdade de Psicologia. "Colegas de um mesmo setor podem reagir de maneira diferente a um mesmo fator, dependendo de características pessoais". Muitas empresas preparam mal os gestores para detectar esse tipo de problema e ajudar. Mais do que o tipo de trabalho que realizamos, é a própria organização do trabalho que estressa: atitudes do gestor, distribuição de tarefas percebida como injusta pelo colaborador e ausência de reconhecimento são exemplos.

"Rendemos mais quando estamos felizes e nos identificamos com o que estamos fazendo, o que é bom para nós e para a empresa", ressalta. Dentre alguns grupos profissionais com maior nível de estresse estão os bancários, bombeiros e profissionais da saúde. Um projeto liderado pelo professor Christian Kristensen (Psicologia), em parceria com o Grupo de Realidade Virtual, do professor Márcio Pinho (Informática), pretende verificar se a realidade virtual pode auxiliar no tratamento cognitivo-comportamental do transtorno de estresse pós-traumático, de maneira eficaz e mais rápida. O foco são bancários que vivenciaram assaltos em agências e apresentam esse distúrbio. No ano passado esse trabalho foi semifinalista do Prêmio Santander de Ciência e Inovação - Categoria Saúde - Regional Sul.

Esse transtorno pode ser causado por eventos traumáticos fortes. Nos bancários que passaram pela situação citada as consequências apresentadas geralmente são o não comparecimento ao trabalho, depressão, uso de substâncias, como o álcool, lembranças recorrentes e pesadelos, perda de interesse por atividades e hipervigilância (não conseguem relaxar, dificuldade de concentração), entre outros. "Se não passarem por um tratamento o transtorno tende a se manter, trazendo prejuízos no trabalho e na vida pessoal", observa Kristensen. "Depois de um assalto a banco, o ideal seria que uma equipe fosse até lá e acompanhasse o grupo ao longo das cinco primeiras semanas, quando seria possível perceber quem tem estresse pós-traumático e quem não tem", conta.

O tratamento comumente é feito por meio de psicoterapia e, dependendo do caso, com o uso de medicamentos receitados por um psiquiatra. Na psicoterapia é feita a terapia de exposição, que expõe o paciente, gradualmente e de forma segura, à situação semelhante à que causou o trauma para que, aos poucos, tenha uma resposta de mais adaptatividade. Com a realidade virtual é possível criar um cenário e manipular as situações, conversar com o paciente e auxiliá-lo a reavaliar o que aconteceu. O grupo do professor Márcio Pinho está finalizando a criação da agência virtual. Como num jogo, o usuário pode interagir com clientes, fazer procedimentos semelhantes aos de um banco e, num determinado momento, lidar com um assalto. Por meio de um aparelho de monitoramento fisiológico será possível medir as respostas de ansiedade das pessoas.

Sob orientação dos professores Kristensen e Pinho, alunos de mestrado e doutorado da Psicologia e da Informática estão fazendo uma avaliação com bancários que já vivenciaram essa situação e desenvolvendo um questionário de presença para medir o quanto a pessoa se sente dentro do ambiente virtual. "É mais fácil alguém sofrer de estresse pós-traumático depois de situações como essa do que em catástrofes, porque o sujeito se autorresponsabiliza. A pessoa fica se culpando. Tudo vai depender de como ela interpreta o que aconteceu, se acha que faz parte da causa ou não, se poderia ter feito algo para evitar ou não. Quem tem uma visão negativa de si mesmo fica predisposto a reforçar essa crença disfuncional com relação a si e ao mundo", explica.

PUCRS oferece auxílio psicossocial a universitários e professores

Em 2006 a PUCRS criou o Centro de Atenção Psicossocial (CAP), vinculado à Pró Reitoria de Assuntos Comunitários e coordenado pela psicóloga Jacqueline Moreira, Pró-Reitora. Nele uma equipe interdisciplinar, formada por profissionais da Psicologia, Serviço Social, Educação e Medicina atendem alunos e professores buscando minimizar dificuldades que estejam complicando o processo de ensino-aprendizagem.

Muitos fatores acabam sendo fontes de estresse para estudantes universitários, segundo maior problema diagnosticado pela equipe depois da depressão. O início e o final do curso são etapas particularmente estressantes para os acadêmicos. No início geralmente entram muito jovens, com dúvida se o curso que escolheram é realmente o que querem e têm medo de trocar. Alguns sofrem pressão da família para ingressar em determinada Faculdade. Há também o problema da solidão enfrentado por alunos que deixam suas famílias para estudar em outra cidade. Dentre os que moram com as famílias pode haver casos de violência intrafamiliar, psicológica ou física. Ao final há o tão temido Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), uma tarefa que fazem sozinhos e da qual sua formatura depende. Somado a isso há os estágios, aulas práticas, o medo do desemprego. "O aluno entra achando que vai mudar o mundo e acaba se deparando com a realidade", o bserva o professor e psiquiatra Alfredo Cataldo Neto.

Entre os sintomas apresentados podem ser observados a dificuldade de concentração, de ler e manter o foco, além de problemas com a memória. Estudantes de Medicina estão entre os mais propensos ao estresse, devido às situações e momentos vivenciados durante o curso, como a adaptação ao novo método de estudo, contato com a morte, privações de horas de sono e lazer, as responsabilidades frente ao sofrimento dos pacientes, além do perfeccionismo. "Geralmente esses acadêmicos estudaram muito para ingressar na Faculdade, foram os primeiros lugares. Acabam competindo entre eles. Lembro de uma aluna que chorou muito porque tirou 8,9 numa prova porque nunca havia tirado menos do que 9, não sabia como explicaria à família", conta o professor Cataldo.



Fonte: Universia Brasil

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