Neste ano, quase 29 mil pessoas já morreram no Brasil vítimas de acidentes de trânsito e de armas de fogo, considerando os números médios registrados no país. Já as vítimas de acidentes aéreos foram 285. Embora atinja um número muito menor de pessoas, os desastres envolvendo aviões causam uma comoção que não se compara a qualquer outra situação. Mas por quê? O ineditismo do fato, o ato de voar, o grande número de pessoas envolvidas e até a banalização das outras mortes violentas são fatores citados por especialistas para explicar o fenômeno.
O professor Rafael Dilascio, coordenador do Curso de Psicologia da Universidade Tuiuti do Paraná, diz que os acidentes aéreos chamam a atenção das pessoas porque acontecem com muito menos frequência do que outros. A cada 100 milhões de milhas viajadas, segundo a revista norte-americana Newsweek, o transporte aéreo registra 0,01 morte, enquanto o trem soma 0,04 e os carros, 0,94.
Além disso, completa Dilascio, o avião é considerado um dos meios de transporte mais seguros e dotado de muita tecnologia. Tanto que o número de voos cresce vertiginosamente e os acidentes são cada vez mais raros. No fim da década de 80 aconteciam cerca de 60 por ano em todo o mundo e em 2004 foram 20 casos.
Medo
O professor lembra, ainda, que o ato de voar significa, historicamente, enfrentar uma situação considerada um paradigma. “O voo é uma das maiores conquistas do homem, mas ainda existe a insegurança porque ele não vai estar no seu ambiente natural, ou seja, na terra.” Isso faz com que muitas pessoas sintam medo de viajar de avião, diz Dilascio. Mas as chances de sofrer um acidente aéreo são pequenas. O número médio de fatalidades por milhão de decolagens passou de 150,8 em 1989 para 23,29 em 2004.
“Eu sei que é cruel o que eu vou dizer, mas as pessoas não se comovem com os acidentes de trânsito porque a convivência com esses acontecimentos já é banal”, afirma o psiquiatra e psicoterapeuta José Toufic Thomé. “Aprendemos a conviver com essas situações e criamos nossos mecanismos de defesa”, completa. Ele é integrante da comissão de desastres da Associação Mundial de Psiquiatria e da Rede Iberoamericana de Ecobioética da Unesco e coordenador da Comissão Técnica de Intervenção em Desastres e Catástrofes da Associação Brasileira de Psiquiatria.
Tratamento
Thomé está atendendo as vítimas das enchentes que atingiram Santa Catarina no fim do ano passado. Segundo ele, a cada pessoa que sofre um acidente outras 200 acabam envolvidas de alguma forma com a tragédia: familiares, amigos, colegas de trabalho e a sociedade em geral. “São ondas que vão se propagando e fazem com que as pessoas percebam sua impotência perante a morte.”
De acordo com o psiquiatra, 80% da população atingida por aquele acidente vão se desorganizar num primeiro momento, viver o trauma, mas aos poucos vão retomar sua rotina. Os outros 20% vão adoecer. Por isso, segundo ele, é importante o respaldo profissional no período pós-tragédia.
Para Thomé, muitos desastres aéreos têm outro componente que dificulta a compreensão dos familiares e amigos das vítimas: a inexistência de um corpo para ser velado e enterrado. “Quando a pessoa perde e enterra alguém ela passa pelo luto e segue em frente e isso tem um significado, mas quando a pessoa some, a conotação é outra”, explica. “Ela não vai admitir que perdeu, vai ficar eternamente na espera do velório e isso é muito mais adoecedor”.
Fonte: Gazeta do Povo
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