Na semana passada foi realizada a IV Conferência Nacional de Saúde Mental Intersetorial.O evento em Brasília serviu como palco para o Governo e grupos interessados ocuparem espaço na imprensa e propalarem um suposto sucesso da "reforma psiquiátrica".
Infelizmente, com o pretexto de "humanizar" o atendimento, a "reforma psiquiátrica", na verdade, produziu desassistência e caminha para a construção de um sistema que será incapaz de oferecer atendimento médico de qualidade para a população.
Citando como exemplo situações graves (e reais) de precariedade em unidades de saúde, o Governo transformou casos de má gestão e de conduta em condenação de ferramentas de assistência. Dessa maneira, sucateou todo um sistema de atendimento médico para privilegiar a chamada assistência comunitária representada pelos CAPS.
O problema, nesse caso, é que os CAPS, por sua natureza, não são capazes de atender a todas as necessidades dos doentes. Essas unidades não foram projetadas, em estrutura e recursos humanos, para cuidar de todas as manifestações dos transtornos mentais. Por isso, um leito no CAPS não substitui outro em hospital geral ou mesmo em hospital especializado, desde que este funcione dentro dos padrões de qualidade. Este é o equívoco principal da "reforma psiquiátrica".
A Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) reforça que um bom atendimento deve oferecer uma rede de serviços integrada e hierarquizada. Neste sistema devem existir leitos em hospitais gerais e UBS, unidades de emergência, ambulatórios especializados, residências terapêuticas, atenção preventiva, CAPS e também hospitais especializados.
Dentro de sua política "substitutiva", o Ministério da Saúde também afirma que "a redução dos leitos psiquiátricos acontece de maneira gradual, na medida em que aumenta a oferta de leitos em hospitais gerais e nos CAPS". Por outro lado, os psiquiatras observam que a oferta de CAPS é muito inferior ao fechamento de outras unidades. E, como se isso não fosse dificuldade suficiente, está provado que parte significativa dos CAPS não funciona como deveria.
Segundo um estudo do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (CREMESP), que analisou 85 dos 230 centros daquele Estado, 42% não contavam com retaguarda para internação psiquiátrica e 31,3% não tinham retaguarda para emergências psiquiátricas; 66,7% não disponibilizam atendimento médico clínico na unidade e 25,3% não tinham retaguarda para emergências médicas clínicas; 30% dos CAPS III (de maior complexidade) não acataram a legislação no que se refere à "atenção contínua durante 24 horas diariamente, incluindo feriados e finais de semana"; 27,4% dos CAPS não mantinham articulação com recursos comunitários para a reintegração profissional dos pacientes.
Essa orientação equivocada da política fica evidente em momentos agudos, como o aumento do consumo de drogas e a clara incapacidade do Estado em prestar atendimento aos dependentes químicos. Nesses momentos, como não existe um planejamento inteligente e diante da necessidade de dar uma resposta para a opinião pública, o Governo anuncia medidas improvisadas e de eficácia duvidosa. Em uma dessas ocasiões, comemorou o investimento de milhões de reais em mais leitos em hospitais gerais sem levar em consideração que os especialistas não recomendam essa ferramenta para dependentes de crack. Também não informou sobre a formação das equipes que devem prestar a assistência nesses locais. O mais provável é que esse investimento, se realmente foi feito, não vai trazer os benefícios esperados.
Este é apenas um exemplo de vários outros equívocos cometidos diariamente. Infelizmente, a saúde mental no Brasil passa por um retrocesso disfarçado de avanço pela propaganda oficial.
A Associação Brasileira de Psiquiatria espera por uma urgente reforma do modelo de assistência em saúde mental que venha para ficar. Mas ela deve ser eficiente e realmente beneficiar a população. Para isso é necessária uma mudança de rumo nas políticas públicas e um bom começo seria dar mais crédito aos conhecimentos técnicos.
Fonte: ABP
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