Começou a era do mundo finito.
A perplexidade é geral, depois da queda do sétimo governo na Europa (Islândia, Reino Unido, Irlanda, Portugal, Eslováquia, Grécia e Itália) e já com a Espanha na alça de mira, com uma dívida pública insustentável e uma taxa de desemprego de 21,5% (48% entre os jovens). E tudo acontece simultaneamente com a crise política que se alastra nos países árabes e a expansão do movimento "Ocupem o mundo", dos jovens norte-americanos que protestam sentados nas ruas, diante da casa dos poderosos. Para onde vamos?
"Quem não estiver confuso está mal informado", já diagnosticou o ex-ministro Delfim Netto (Conjuntura Econômica - FGV, setembro de 2011). De fato, quando Brasil, Índia e China se dizem dispostos a ajudar - via Fundo Monetário Internacional (FMI) - a Europa a sair da crise, chega-se a um ponto inconcebível há menos de uma década. Pois ao mesmo tempo se torna claro que "a Europa se prepara para uma década perdida" (Agência Estado, 16/10) e se chega ao "fim do sonho americano" (Celso Ming, Estado, 19/10).
"Vai sair um mundo diferente", prevê Delfim. A seu ver, "a crise que está aí resulta de governos incompetentes, míopes, e de uma disfunção do sistema financeiro, que em vez de servir ao setor real acaba servindo-se dele. Os derivativos podem estimular uma melhoria de funcionamento do sistema, mas também podem tornar-se armas de destruição em massa, porque os bancos centrais - na verdade, os governos - não conseguiram entender aonde eles deveriam nos levar". Certamente é uma visão que tem que ver com números pouco citados, de um giro financeiro de US$ 600 trilhões anuais, para um produto bruto mundial de US$ 62 trilhões por ano, dez vezes menos. Isto é, especulação cada vez mais afastada do real, das coisas concretas.
Agora, parece inescapável. A Comissão Europeia prevê recessão para o continente em 2012, que, segundo o FMI, é um alerta para todos os países desenvolvidos (Folha de S.Paulo, 12/11). Mesmo no Brasil a Confederação Nacional da Indústria revê sua previsão para o crescimento do PIB interno, de 3,8% para 3,4% este ano (Agência Estado, 12/11). E até a China parece retrair seu ritmo, enquanto os Estados Unidos chegam a um déficit anual do governo de US$ 1,299 trilhão, quase tanto quanto todo o PIB anual brasileiro. Mas quase todos os países continuam a recusar o que os relatórios do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) vêm propondo desde o início da década de 1990: uma taxa de 0,5% sobre as transações cambiais e financeiras no mundo - para conter a especulação e ajudar a diminuir a pobreza -, uma ideia que surgiu do economista James Tobin.
Estranho que pareça, num quadro como esse pouco se discute na área econômica o que já é óbvio no diagnóstico de organismo da ONU e outros: a questão do impasse na área dos recursos naturais e sua tendência ao agravamento. Mais uma vez, o ex-ministro Delfim Netto, que em outras épocas parecia fechado à questão: "Estamos caminhando para instituições em que a cooperação, o altruísmo e as preocupações com o meio ambiente são maiores, enquanto a restrição ao crescimento é um pouco mais aguda, porque pela primeira vez se tem consciência de que não cabem na Terra 10 bilhões de pessoas com renda per capita de US$ 20 mil". Ou seja, o consumo atual já é insustentável e será cada vez mais com o crescimento inevitável da população. Os diagnósticos da ONU já nos mostram consumindo mais de 30% além da capacidade de reposição da biosfera terrestre; se tivermos de aumentar a produção de alimentos em 70% nas próximas décadas para atender à população crescente e à redução da pobreza, agravaremos a situação, pois a "pegada ecológica" (área necessária para atender às necessidades de um ser humano) também já está mais de 30% além da disponibilidade - e seu crescimento significará mais degradação do solo, mais desertificação, mais crise da água, mais perda da biodiversidade, etc. Sem falar em agravamento das mudanças climáticas. Mas como se fará se 1,44 bilhão de pessoas no mundo ainda não dispõem de energia elétrica e em sua maior parte terão de ser abastecidas com mais queima de carvão e petróleo, principalmente na China e na Índia, como adverte a Agência Internacional de Energia? E como tirar do âmbito da fome crônica quase 1 bilhão de pessoas?
Outros padrões de consumo terão de ser observados. Nossos modos de viver terão de ser repensados. Até porque em muitos setores a crise aguda já bate à porta. Como observa o professor Maurício Waldman, pós-doutorando em Geografia pelo Instituto de Geociências da Unicamp, a situação já é insustentável em muitos setores. No século 20 a população multiplicou-se por 4; o consumo de carvão, por 6; o de cobre, por 25; o de metais em geral chegou, em 2008, a 1,4 bilhão de toneladas, o dobro dos anos 70, sete vezes mais que em 1950; o consumo de alumínio passou de 2 milhões de toneladas em 1950 para 40 milhões em 2008; o de plásticos multiplicou-se por 18 em 34 anos. Como já se comentou neste espaço em outros artigos, a disponibilidade de muitos dos metais usados nas tecnologias mais abrangentes de hoje (telefones, computadores, etc.) está gravemente ameaçada. Por tudo isso, lembra o professor Waldman a frase do filósofo Paulo Valéry: "Começa a era do mundo finito".
E como começa, ainda uma vez é preciso insistir: o Brasil tem de pensar uma estratégia fundada nessas visões, já que tem posição privilegiada no mundo em matéria de território, água, biodiversidade, possibilidade de plantios, matriz energética limpa e renovável - tudo o que é fator escasso no mundo e já foi dito e repetido neste espaço. A essa estratégia - em substituição à ideia de crescimento econômico puro e simples, desatento ao quadro mais amplo - é que se poderá chamar de uma verdadeira modernidade. Não precisamos esperar que a crise de recursos e consumo insustentáveis nos atinja mais a fundo.
Autor:Washington Novaes
(jornalista / wlrnovaes@uol.com.br )
Publicado no jornal O Estado de São Paulo.
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